O Brasil chegou a um tal nível de descalabro que se torna necessário destacar que a tarefa primeira do Estado é a segurança. Verdade tão banal que chega a ser defendida por todos os filósofos políticos.
No entanto, algo tão banal, no nosso país, é objeto de debates e, sobretudo, de tergiversações.
Em troca, temos a banalização do mal, que chega às raias do absurdo com uma criança sendo arrastada em um carro, chocalhada feito um boneco e morta por um bando de assassinos.
O cinismo é tão grande que os ditos sensatos declaram que nenhuma medida deve ser tomada sob forte emoção. Cabe, porém, a pergunta: se não é a forte emoção que provoca iniciativas salutares como a da redução da maioridade penal proposta pelo Senador Antônio Carlos Magalhães, quando será ela tomada? Quando de ataques de esquadrões do crime em várias cidades, o argumento foi o mesmo. O que foi feito depois? Nada.
A impunidade só piorou. Infelizmente o que aconteceu com essa criança faz parte de uma lógica da impunidade, que começa na corrupção de Brasília e se estende para todos os outros setores da vida nacional. Até quando? Vejamos as funções principais do Estado.
A vida. Se as pessoas vivem numa instituição chamada Estado é para que ela preserve aquilo que todos consideram como o seu bem essencial, a própria vida. Se os membros dessa instituição pagam impostos é para que ela assegure a sua própria segurança. Isto significa que as pessoas deveriam poder dormir sossegadas sem medo de serem ameaçadas por alguém que invada a sua moradia ou tome alguém como um corpo morto/vivo sendo arrastado pelas ruas de uma cidade. Frente a uma situação deste tipo, de barbárie, o nosso presidente da República teria declarado que não apoiaria o projeto em pauta no Senado, porque não se pode "desproteger os adolescentes". Realmente, não dá para entender. Desprotegidos estão as crianças e adolescentes que não podem mais sair pelas ruas do Brasil, atacados inclusive por adolescentes que podem assassinar impunemente. Até o argumento adicional de que um presídio normal os pioraria, carece de qualquer fundamento.
Piores não poderiam ficar! Já o são. O corpo. Movimentar-se pelas ruas de uma cidade, ir ao trabalho, passear, aproveitar do lazer são atividades inerentes às pessoas que vivem sob a proteção estatal. Ou deveriam ser.
O direito de ir e vir origina-se na proteção do corpo que se movimenta livremente em busca daquilo que lhe aparece como sendo um bem, na busca do prazer e no evitar a dor. Isto implica que a pessoa tem o direito natural de buscar a realização dos seus desejos mediante os bens que lhe apetecem, sem que ninguém deva intervir nesse processo, seguindo as leis e normas que regram o convívio humano. Ora, o que ocorre na vida cotidiana? As pessoas têm medo do que pode acontecer com o seu corpo graças a assaltos, roubos, seqüestros e outras atividades criminosas que espreitam o seu bem-estar e os seus movimentos a qualquer instante. Cabe então a pergunta: por que deveriam pagar impostos se a sua retribuição principal não lhes é assegurada? A propriedade. A defesa da propriedade assegura que as pessoas possam conservar a sua própria vida, usufruir dos seus bens e, sobretudo, mediante contratos assegurados pelo Estado, propiciar o crescimento econômico e o desenvolvimento social. As pessoas só investem em si e na ampliação dos seus patrimônios, em interação com os outros, se relações impessoais, chamadas de mercado, são asseguradas por leis e instituições.
Trata-se tanto da vida individual, daquilo que uma pessoa veste, quanto do seu esforço através do seu trabalho e dos seus investimentos.
O que não pode ocorrer é que uma pessoa desconfie do seu Estado, visto que ele esteja apenas preocupado em preservar os interesses de grupos corporativos, incrustados no próprio aparelho estatal. Se propriedades são invadidas nas cidades e no campo sem que os governos assumam as suas responsabilidades, é porque há algo de extremamente inquietante acontecendo. Se a lógica da impunidade em todos os setores da vida nacional prevalece, não há porque chocar-se com a banalização do mal que estamos vivendo.
E, no entanto, continuamos a ficar chocados, pois a indignação ainda se faz presente. Falta ela, porém, se manifestar publicamente!
Entrevista:O Estado inteligente
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