quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Impróprio para menores- Ruy Castro


Artigo
Folha de S. Paulo
28/2/2007

Uma vez tiete, sempre tiete. Sou leitor de Carlos Heitor Cony há tanto tempo que às vezes me pergunto se não saltei direto da cartilha para seus livros. Não foi assim, mas quase. Comecei a ler Cony em 1961, quando ele surgiu no "Correio da Manhã", do Rio, escrevendo dia sim, dia não, uma crônica genericamente intitulada "Da Arte de Falar Mal". Era um permanente e implacável exercício de niilismo, tão hilariante quanto sedutor e, quem sabe, impróprio para menores -como eu, que tinha 13 anos e me identifiquei para sempre com esse traço de Cony.
Não muito depois, também fui parar na imprensa e fiquei seu amigo. Calhou que, em 1969, ele fosse meu editor numa revista e, em 1970, eu fosse editor dele, em outra. Mas o maior período em que trabalhamos juntos foi na redação de "Manchete", em mesas contíguas, entre 1970 e 1973. Depois, cada qual seguiu seu caminho, mas nunca sumimos um do outro por muito tempo, ligados por várias fixações em comum.
Uma delas é a de que somos os únicos membros do informal fã-clube carioca de Nacio Herb Brown, o compositor de "Cantando na Chuva". Outra é a admiração por Ary Barroso, Otto Maria Carpeaux, Mario Filho e pelas coxas de Silvana Mangano em "Arroz Amargo". E ainda outra é a facilidade para rir de nós mesmos, principalmente quando trocamos confidências, verídicas ou imaginárias. Mas chegará o dia em que, em vez de confidências, trocaremos sintomas.
Até hoje guardo os "Da Arte de Falar Mal" originais, tirados do "Correio". São recortes de mais de 40 anos e, incrível, sem aquelas manchas amarelas. A prosa de Cony também continua enxuta, indistinguível do material que ele produz há anos para a Folha. Revezar com ele neste espaço não será apenas uma honra, mas uma parada.