Artigo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG |
O Globo |
22/2/2007 |
Imaginemos a situação de uma empresa média que precisa de serviços regulares de advocacia. Há três possibilidades: empregar um advogado em tempo integral com carteira assinada, contratar um escritório ou contratar um advogado na Pessoa Jurídica (PJ). A primeira opção pode até ser a melhor do ponto de vista da organização. Mas é a pior, disparado, em termos financeiros. O proibitivo custo dos encargos trabalhistas recomenda buscar outro caminho. Contratar um escritório é terceirizar, barato, mas com problemas no atendimento. Resta a terceira hipótese: contratar um advogado que tenha sua própria empresa, uma PJ, podendo, assim, assinar um contrato de prestação de serviços em vez de assinar a carteira profissional. Muitos profissionais preferem a segurança da CLT. O que é encargo para a empregadora é benefício para o empregado. Outros preferem a via PJ, pois o empregado também tem encargos, especialmente a contribuição previdenciária, que pode chegar a 11% do salário, e o imposto de renda na fonte. A empresa prestadora de serviços também paga impostos e tem pago cada vez mais, em conseqüência do cerco da Receita Federal. Mesmo assim, muitos profissionais entendem que organizam melhor suas vidas do que o governo. De fato, se um profissional aplicar com cuidado, durante toda sua vida, 11% de seus rendimentos mensais, certamente terá uma aposentadoria muito melhor do que obteria pelo INSS. Assim, se a pessoa é organizada e previdente, é melhor ir para a PJ. Há profissionais que só aceitam esse tipo de contrato. Na prática do mercado, fica mais ou menos uma pela outra. O empregado na CLT leva menos dinheiro para casa, mas tem o 13º garantido, férias com adicional, FGTS e indenizações em caso de demissão. A PJ recebe um cheque maior, mas precisa fazer sua poupança para custear desde seguro saúde até o fundo de férias e os próprios custos da PJ. Ou, no caso das mulheres, o fundo para maternidade. Tudo se negocia no mercado. E, para as empresas contratantes, não há dúvidas: é muito mais eficiente a contratação pela PJ. Por isso, a prática se espalhou pelo mercado, na medida em que se tornava mais custosa a legislação trabalhista. Mas, para a Receita Federal e para o Ministério do Trabalho, essas PJs não passam de fraudes das empresas contratantes ou manobras de espertalhões para ludibriar o fisco. A Receita gostaria de simplesmente chegar na empresa e decretar que as PJs são falsas, que não se trata de contrato de prestação de serviços e sim de contrato de trabalho, de modo que a companhia tem que assinar a carteira de todo mundo e, claro, pagar os atrasos com multa e correção. Eis a polêmica em torno da famosa "Emenda 3", aprovada pelo Senado na votação da lei que criou a Super-Receita. Essa emenda diz que a descaracterização da PJ prestadora de serviço só pode ser feita pela Justiça do Trabalho. Há pedidos para que o presidente Lula vete a emenda. A Receita quer mais receita, é claro. Mas, com o Ministério do Trabalho, apresenta também um argumento social: o trabalhador está mais protegido na CLT. É verdade que muitos profissionais, hoje na PJ, prefeririam passar para a CLT, se tivessem certeza de que manteriam emprego e salário. O que não é seguro. Grandes empresas que vinham sofrendo freqüentes fiscalizações resolveram matar o mal pela raiz. Mandaram embora todas as PJs e assinaram carteira, normalmente de próprias ex-PJs. Mas não de todas. Na verba que dá para dez PJs só cabem seis pela CLT, dado o custo dos encargos. Resultado: ganhos para a Receita e desemprego. Apontei essa situação para líderes sindicais. Responderam que sabiam do problema, mas entendiam que era passageiro. As empresas, em sua opinião, teriam que recontratar todos. Vã esperança. As empresas ainda têm a possibilidade de terceirizar serviços. A contratação via CLT é a última opção, de modo que, no final das contas, a pressão da Receita contra as PJs resulta em redução no número de vagas. Com freqüência, há vagas só para PJs. Tudo considerado, está claro que a "Emenda 3" deve ser mantida. Melhor deixar essa questão com a Justiça do Trabalho do que com o arbítrio dos fiscais. Mas é provável que empresas e PJs estejam apenas ganhando tempo, pois a Justiça vai mandar assinar carteira na maior parte dos casos. Por isso, líderes sindicais disseram que a "Emenda 3" só vai entupir ainda mais a Justiça do Trabalho. E isso mostra que a emenda é um detalhe. A verdadeira questão é uma legislação trabalhista que protege a minoria que consegue carteira assinada e joga a maioria dos profissionais ou na informalidade precária ou numa situação jurídica de confusão e insegurança. Está na cara que é preciso mudar a lei, para dar mais liberdade de negociação e contratação. |