quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Cisco na toga- Villas-Bôas Corrêa



Coluna
Jornal do Brasil
22/2/2007

O recente bate-boca entre o ministro Marco Aurélio Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as diferenças entre os vencimentos e benefícios dos togados e a milionária soma de subsídios, vantagens, benefícios e penduricalhos que compõem o bolo mensal dos parlamentares, foi abafado pela clássica intervenção dos bombeiros que temiam o alastramento do incêndio nas suas tendas brasilienses.

O estopim curto do ministro Marco Aurélio não mais foi aceso. E o senador, deputado federal e estadual ou vereador zeloso dos seus escandalosos privilégios quer silêncio para curtir o vidão que pediu ao céu e aos eleitores. Do arreglo do bom senso resultou uma intrigante dúvida que custei a deslindar. Jornais e televisões que deram atenção ao risco de uma crise entre poderes organizaram tabelas comparativas entre o que embolsam os marajás do Legislativo e o total do que recebem os ministros do STF. Com as variações de parcelas do bolo dos pobres representantes do povo - tais como as quatro passagens aéreas mensais para que suas excelências papariquem os votos que prolonguem a boa vida - é claro que a bagatela dos R$ 93 mil a R$ 105 mil dos parlamentares deixa na poeira os R$ 35 mil do máximo dos ministros do STF que participam das sessões do TSE, além dos devidos jetons.

Da lista dos ganhos mensais dos ministros do STF consta o intrigante agrado de uma passagem aérea de ida e volta por mês - não ao Estado de origem mas a qualquer ponto do território nacional. Ora, ministro não é representante de Estado como os senadores nem da sociedade, como os deputados e vereadores. E, se a cota perdulária de quatro passagens aéreas mensais para os senadores e deputados federais é uma punga a mais na bolsa da viúva, escora-se no pretexto velhaco da assistência às suas bases políticas. No caso dos ministros, nem isto. Consultei as minhas fontes de fé. O impecável ex-deputado e ministro aposentado do STF Célio Borba confessou desconhecer os pormenores da generosa oferta da viagem mensal e passou a batata fria ao ministro Sepúlveda Pertence, em plena atividade, com residência, em casa própria, em Brasília.

Com a ressalva dispensável que nunca utilizou o favor, conhecia, por alto, sua breve história. Trata-se de mais uma das manchas, jamais apagadas, da fase de desconforto da precipitada mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960. Os ministros do STF, sobrecarregados de trabalho, com processos empilhados no gabinete, entraram no facilitário da passagem mensal para fugir do opressivo fim de semana no ermo do cerrado. E que não é, nunca foi para o Estado de origem, mas calculada ao máximo do correspondente a uma ida e volta do trecho Brasília-Aracaju.

O ministro Sepúlveda Pertence reconhece que hoje é forçada a sustentação da vantagem para um membro do Poder Judiciário. E que seria de extrema conveniência despachar com um simples piparote o cisco que mancha a severidade da toga.

Quanto ao pacotaço das quatro passagens aéreas mensais dos senadores e deputados, a conversa é exatamente o reverso do constrangimento dos magistrados. Na gloriosa batalha pela eleição do presidente vencida pelo deputado Arlindo Chinaglia, com muita lábia, ajuda federal e petista, em nenhum momento se ouviu uma única palavra, muito menos proposta, de vassourada moralizadora da orgia das mordomias. Ao contrário, a simples referência a um controle mais rigoroso dos comprovantes para ressarcir as despesas do fim de semana arrancou brados de indignação e ameaça.

Nem nos quase 21 anos do rodízio dos cinco generais-presidentes a ditadura militar manifestou jamais interesse ou ânimo para disciplinar a bagunça que inflava no Congresso, desprezado nas humilhações dos recessos punitivos, cassações, atos institucionais, senadores biônicos e as mais desavergonhadas maroteiras do oportunismo.

Deu nisto que está aí.