Começo do ponto em que o editorial de ontem desta Folha e a coluna de Vinicius Torres Freire deixaram o tema do déficit da Previdência. O editorial diz ser "correta a intenção do governo Lula de retirar da Previdência os gastos com assistência social e demais subsídios estatais". Torres Freire acrescenta que se trata de "politizar" a questão. Escreve: "Esclarecer e politizar decisões sobre o orçamento público chama-se democracia". De pleno acordo com ambos. Mas a concordância leva necessariamente a desconfiar de que a maior parte dos problemas brasileiros, como é o caso da Previdência (problema, aliás, no mundo inteiro), é de fundo muito mais político que técnico ou econômico. De fato, como quer Torres Freire, "esclarecer e politizar decisões sobre o orçamento público chama-se democracia". No mundo ideal, a democracia é o modelo pelo qual a sociedade toma decisões sobre o orçamento público (e outras questões) por meio de seus representantes no Congresso. Acontece que o mundo político descolou-se completamente dos que deveria representar. Passou a ser um planeta próprio, que gira em torno de seus interesses, em geral baixos, não da opinião dos representados. Se faltasse ainda alguma prova, ela está dada pela eleição das Mesas do Congresso, que se deu unicamente à base de conveniências pessoais, sem que o interesse público passasse por perto. Dá-se, então, o terrível paradoxo: embora seja correto "politizar" o debate sobre a Previdência, não me sinto confortável em delegar "decisões sobre o orçamento público" aos deputados/senadores, porque temo que a maioria não vá agir em função do interesse público, mas por apetites pessoais. É urgente, pois, "politizar" a política, para devolver a ela "o sentido forte e civilizado do termo", para voltar a Torres Freire. |