sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Clóvis Rossi - A esperança continua lá fora



Folha de S. Paulo
23/2/2007

Ryszard Kapuscinski, grande mestre do jornalismo, morto há um mês, teve texto antigo resgatado pelo jornal polonês "Gazeta Wyborcza", reproduzido pelo "El País". Nele, o jornalista descreve um passeio matutino que começa nas imediações do consulado britânico em Varsóvia.
Descreve o "nutridíssimo grupo de pessoas" que espera visto de entrada no Reino Unido para concluir: "Sei que estou no Terceiro Mundo.
Tamanhas aglomerações não se dão em Oslo ou Berna".
Se o jornalista polonês fizesse um passeio matutino por cidades brasileiras, logo descobriria que o país ainda nem chegou ao Terceiro Mundo. Afinal, por aqui não apenas há "nutridas" filas para obter visto para os Estados Unidos como muita gente pula essa etapa e vai diretamente para a tentativa de entrar no Primeiro Mundo pela porta dos fundos, ilegalmente.
Um flagrante -apenas mais um- do "quartomundismo" tropical foi publicado ontem por esta Folha.
É aquela foto da capa em que um grupo de 40 brasileiros se amontoava em um caminhão fechado, na frustrada viagem para o suposto paraíso.
Fica evidente, como se ainda fosse necessário, que aquela história de "a esperança venceu o medo", esgrimida pelo lulo-petismo na vitória eleitoral de 2002, é uma balela. Ou, mais exatamente, tem o sinal trocado.
De fato, a esperança venceu o medo. O diabo é que a esperança não está depositada no Brasil, mas nos Estados Unidos, o que faz com que um punhado de brasileiros vença o medo de uma viagem ilegal, repleta de riscos, o menor dos quais é a deportação, destino dos 40 que aparecem na foto de ontem.
Motivos? Sobram. Um deles: a renda média do trabalho é, depois de quatro anos de governo "da esperança", inferior à de 1998, fim do primeiro período do governo que a "esperança" derrotaria.