O Estado de S. Paulo |
2/2/2007 |
O Banco Central (BC) reduziu o corte dos juros em conseqüência da diminuição do superávit primário e dos efeitos sobre o consumo produzidos pelo aumento das despesas do governo, em 2006 e 2007. Não foi só por isso; foi também por isso. (Apenas para quem não está habituado com o jargão dos economistas, superávit primário é a parcela de arrecadação destinada ao resgate da dívida pública. Tem sido de 4,25% do PIB, ou R$ 89 bilhões nos preços de hoje.) A Ata do Copom ontem divulgada não critica as decisões do governo federal. Só leva em conta, na calibragem dos juros, os prováveis efeitos inflacionários (via aumento do consumo) da maior expansão da despesa pública. As questões fiscais já foram objeto de consideração na definição da política monetária em outras oportunidades. Desta vez, no entanto, pareceram mais enfaticamente mencionadas. Um trecho (parágrafo 13 da Ata) diz: “Em relação à política fiscal, as projeções (da inflação) levam em conta o cumprimento da meta de superávit primário de 4,25% em 2007 e em 2008, ajustada pela possibilidade de que esse porcentual seja reduzido em até 0,5 ponto porcentual em virtude da implementação do Programa Piloto de Investimentos.” É a primeira vez que o efeito do PPI comparece às atas do Copom. Outro está no parágrafo 20: À expansão do emprego, da renda e do crédito “devem ser acrescidos os efeitos da expansão das transferências governamentais e de outros impulsos fiscais ocorridos em 2006 e esperados para este ano. Dessa forma, os efeitos defasados dos cortes de juros sobre uma demanda agregada, que já cresce a taxas robustas, se somarão a outros fatores que continuarão contribuindo de maneira importante para sua expansão”. A ata não aponta explicitamente os efeitos do PAC recém-lançado. Mas é difícil deixar de identificá-los nas entrelinhas. Há quatro pontos que merecem ser destacados. O primeiro tem a ver com a já mencionada expansão do consumo, “a taxas robustas”, com as quais o Copom parece impressionado. Nos 11 primeiros meses do ano passado, o comércio varejista cresceu 6,2% sobre igual período do ano anterior. E acrescenta que, também em 11 meses, as vendas do comércio varejista ampliado, que incluem atividades com material de construção e veículos, motos, partes e peças, aumentaram 6,5% sobre os 11 primeiros meses de 2005. Enfim, entende que a força do consumo já é conseqüência do afrouxamento dos juros, da expansão do crédito e do maior dispêndio público. A percepção geral das pessoas é também de que o consumo avança a mais de 5% ao ano. E, no entanto, a produção industrial vai ficando para trás, porque não cresce mais do que 3,1% ao ano. Como já se sabia, o suprimento do consumo vai sendo complementado por mais importações. E aí já entramos no segundo ponto de destaque. O Banco Central volta a reconhecer que não são apenas os juros que trabalham para derrubar a inflação. A expansão das importações também contribui para isso, embora não se saiba em quanto. Na prática, o Banco Central avalia que o dólar mais barato (graças à valorização do real) concorre para a entrada de produtos estrangeiros também mais baratos, que, por sua vez, impedem a aceleração dos preços das mercadorias produzidas internamente. Enfim, está aceito que a política cambial ajuda a enquadrar a inflação. O terceiro ponto relaciona-se com o câmbio. Para definição dos juros no dia 24, o Copom trabalhou com o pressuposto de que o câmbio se manterá ao longo do ano à altura dos R$ 2,15 por dólar. De lá para cá, nota-se tendência a queda mais acentuada, apesar das agressivas compras de moeda estrangeira pelo Banco Central que, de resto, já acumula reservas próximas a US$ 91 bilhões. Ontem, por exemplo, o preço do dólar fechou 2,3% mais baixo do que o degrau mencionado ou, mais precisamente, nos R$ 2,101. Isso sugere que o efeito favorável do câmbio sobre a inflação deve aprofundar-se. Quarto, como o cenário externo continua propício e as pressões inflacionárias são baixas, a nova dosagem de corte, de 0,25 ponto porcentual, deve ser esticada por mais tempo, provavelmente pelas próximas quatro reuniões do Copom (março, abril, junho e julho), quando a Selic já poderá estar a 12% ao ano. Se isso se confirmar, para uma inflação anual de 4,5% (a meta deste ano), os juros reais terão caído para 7,5%, um portento para os padrões brasileiros. |