domingo, fevereiro 25, 2007

CELSO MING Aplicar as reservas no País (4)

Provavelmente ainda nesta semana, as reservas externas ultrapassarão a marca notável dos US$ 100 bilhões. É boa oportunidade para examinar se não seria melhor aplicar parte dessa dinheirama, que rende tão pouco, em projetos de infra-estrutura que garantissem crescimento e empregos.


Na coluna de ontem foi mostrado que investimentos em moeda estrangeira em obras no País exigiriam novas operações de câmbio que convertessem os recursos em moeda nacional. E o Banco Central estaria condenado ao suplício de Sísifo: para evitar o mergulho do dólar teria de reforçar as compras e seguir formando reservas.

Hoje será analisada outra séria dificuldade: a de que o Banco Central não pode assumir funções de banco de fomento.
Esta não é apenas uma exigência constitucional. É, sobretudo, técnica. No momento em que o Banco Central passasse a decidir e administrar projetos de desenvolvimento, sua principal função, a de ser o guardião da moeda, estaria sendo sabotada por iniciativas cuja função seria injetar dinheiro vivo na economia.

O ex-diretor do Banco Central e hoje consultor de Assuntos Cambiais Emílio Garófalo lembra que as reservas externas são recursos não-orçamentários. Para que pudessem ser usados em investimentos públicos, teriam de ser compatibilizados com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Instalar um dolaroduto entre Banco Central e Tesouro ou qualquer outra instituição que se encarregasse dos investimentos equivaleria a reabrir a velha conta movimento que o Banco Central e o Banco do Brasil mantiveram até final dos anos 80 e que tanta promiscuidade monetária e tanta inflação produziu no País.

Ou, como prefere perguntar o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, hoje economista-chefe do Banco ABN Amro para a América Latina: se o Banco Central aplicasse esses recursos em investimentos, que critérios usaria para favorecer um Estado em detrimento de outro? Como evitar que o Banco Central se misturasse com política e politicagem? O que aconteceria se o investimento fracassasse ou fosse contaminado pela corrupção, endêmica no Brasil?

No dia em que o Banco Central se envolvesse nisso, desandariam a política de juros e a credibilidade da autoridade monetária. “Se o Banco Central concluísse que há excesso de reservas, o melhor a fazer seria parar de formar reservas”, completa.

Também não resolveria encarregar da aplicação das reservas outras instituições por definição mais equipadas para isso, como o BNDES, o Banco do Brasil ou mesmo o Tesouro. Se essas instituições assumissem a função de comprar os dólares no câmbio interno, seria preciso antes perguntar de onde tirariam recursos para comprá-los.

E, além de deixar sem solução a questão de como transformar recursos não-orçamentários em recursos orçamentários, sobraria o problema ontem examinado: como transformar dólares em reais sem provocar nova valorização do real, o que desde o início se pretendeu evitar.

Afora isso, as reservas têm alto custo fiscal. Não faria sentido usar esse baú e deixar com o Banco Central o passivo em reais (e juros mais altos) feito para possibilitar a formação das reservas.

Enfim, ainda não foi inventado jeito de usar reservas externas em investimentos públicos sem provocar imensos efeitos colaterais perversos.