Na coluna de ontem foi mostrado que investimentos em moeda estrangeira em obras no País exigiriam novas operações de câmbio que convertessem os recursos em moeda nacional. E o Banco Central estaria condenado ao suplício de Sísifo: para evitar o mergulho do dólar teria de reforçar as compras e seguir formando reservas.
Hoje será analisada outra séria dificuldade: a de que o Banco Central não pode assumir funções de banco de fomento.
Esta não é apenas uma exigência constitucional. É, sobretudo, técnica. No momento em que o Banco Central passasse a decidir e administrar projetos de desenvolvimento, sua principal função, a de ser o guardião da moeda, estaria sendo sabotada por iniciativas cuja função seria injetar dinheiro vivo na economia.
O ex-diretor do Banco Central e hoje consultor de Assuntos Cambiais Emílio Garófalo lembra que as reservas externas são recursos não-orçamentários. Para que pudessem ser usados em investimentos públicos, teriam de ser compatibilizados com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Instalar um dolaroduto entre Banco Central e Tesouro ou qualquer outra instituição que se encarregasse dos investimentos equivaleria a reabrir a velha conta movimento que o Banco Central e o Banco do Brasil mantiveram até final dos anos 80 e que tanta promiscuidade monetária e tanta inflação produziu no País.
Ou, como prefere perguntar o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, hoje economista-chefe do Banco ABN Amro para a América Latina: se o Banco Central aplicasse esses recursos em investimentos, que critérios usaria para favorecer um Estado em detrimento de outro? Como evitar que o Banco Central se misturasse com política e politicagem? O que aconteceria se o investimento fracassasse ou fosse contaminado pela corrupção, endêmica no Brasil?
No dia em que o Banco Central se envolvesse nisso, desandariam a política de juros e a credibilidade da autoridade monetária. “Se o Banco Central concluísse que há excesso de reservas, o melhor a fazer seria parar de formar reservas”, completa.
Também não resolveria encarregar da aplicação das reservas outras instituições por definição mais equipadas para isso, como o BNDES, o Banco do Brasil ou mesmo o Tesouro. Se essas instituições assumissem a função de comprar os dólares no câmbio interno, seria preciso antes perguntar de onde tirariam recursos para comprá-los.
E, além de deixar sem solução a questão de como transformar recursos não-orçamentários em recursos orçamentários, sobraria o problema ontem examinado: como transformar dólares em reais sem provocar nova valorização do real, o que desde o início se pretendeu evitar.
Afora isso, as reservas têm alto custo fiscal. Não faria sentido usar esse baú e deixar com o Banco Central o passivo em reais (e juros mais altos) feito para possibilitar a formação das reservas.
Enfim, ainda não foi inventado jeito de usar reservas externas em investimentos públicos sem provocar imensos efeitos colaterais perversos.
domingo, fevereiro 25, 2007
CELSO MING Aplicar as reservas no País (4)
Provavelmente ainda nesta semana, as reservas externas ultrapassarão a marca notável dos US$ 100 bilhões. É boa oportunidade para examinar se não seria melhor aplicar parte dessa dinheirama, que rende tão pouco, em projetos de infra-estrutura que garantissem crescimento e empregos.