quarta-feira, janeiro 24, 2007

PPPS Equívocos e inverdades


Artigo - Renato Pavan
Folha de S. Paulo
24/1/2007

Julgamentos precipitados vêm tratando as parcerias público-privadas como responsáveis pelo acidente do metrô. Nada mais errado

NA ESTEIRA do trágico acidente com as obras de ampliação do metrô de São Paulo, surgiram na mídia ilações equivocadas que vinculam a tragédia ao modelo das PPPs (parcerias público-privadas), na tentativa de colocá-las em xeque.
Essas inverdades, mais do que nunca oportunistas na busca desenfreada por culpados, não estão sendo suficientemente elucidadas. E a verdade fica cada vez mais soterrada.
Ninguém em sã consciência coloca em dúvida a necessidade de uma investigação criteriosa e isenta para apurar as responsabilidades de cada agente, seja do poder público, seja da iniciativa privada. Não só para dar satisfação aos familiares das vítimas mas também porque o Estado democrático de Direito exige o cumprimento da Justiça.
Além disso, a descoberta das causas e das possíveis falhas, tanto na execução quanto na fiscalização da obra, pode contribuir para evitar acidentes similares no futuro.
No entanto, a confusão que está sendo feita em torno do modelo utilizado na construção da obra vai muito além de burocracias jurídicas.
A idéia de alguns setores da sociedade -inimigos do progresso- de que todo e qualquer acidente é sempre fruto da ganância e da irresponsabilidade do setor privado é falsa.
O deslizamento de terra que abriu a gigantesca cratera em Pinheiros ocorreu durante a construção da infra-estrutura da futura linha 4 do metrô. O processo de licitação e contratação do consórcio vencedor para construir essa infra-estrutura foi feito com base na Lei de Licitações (lei nº 8.666/93). Ou seja, não tem nada a ver com o modelo das PPPs. São modelos diferentes, com leis diferentes e modos de fiscalização e de execução diferentes.
O Consórcio Via Amarela venceu a licitação em 2003, com modelo "turn key". Isso significa ter preço, prazo e projetos previamente definidos no processo licitatório e fiscalizados por quem contrata. O financiamento foi garantido pelo Banco Mundial.
A lei que cria e regulamenta as PPPs no Brasil (lei nº 11.079/04) só entrou em vigor em dezembro de 2004. Portanto, mais de dez anos depois da Lei das Licitações e um ano após o Consórcio Via Amarela ter vencido a licitação para a construção da infra-estrutura do metrô.
A causa da confusão é que o primeiro contrato de PPP assinado no Brasil também envolve a linha 4 do metrô.
Porém, essa parceria, cuja licitação foi decidida em novembro de 2006, tem como objetivo a operacionalização, a manutenção e a aquisição de trens para a linha 4. Em outras palavras, comprar os trens, operá-los e conservá-los.
Como se vê, nada a ver com a construção da infra-estrutura. Por sinal, a PPP da linha 4 do metrô será iniciada nos trechos em que as obras de infra-estrutura já estejam finalizadas.
O contrato de PPP da linha 4 terá uma fiscalização rigorosa. Será feito por uma agência reguladora criada nos moldes da Agência Reguladora de Transporte do Estado de São Paulo.
Portanto, o acidente ocorreu na edificação da obra -uma licitação do governo estadual. A PPP envolve a contratação de serviço.
Outro equívoco muito divulgado -e que carrega em si um discurso muito mais político do que técnico- é o de que não há gente fiscalizando. E que isso é a causa da tragédia.
Em 2003, por meio de estudos sobre a viabilidade da obra, o mesmo Instituto de Pesquisas Tecnológicas -hoje responsável pela investigação do acidente- realizou uma série de análises geológicas nos terrenos por onde passará a linha 4. O projeto básico da obra e os estudos do IPT fizeram parte do edital. São estudos técnicos e altamente detalhados sobre a acomodação do terreno.
Em relação aos cálculos da obra, toda a metodologia é baseada em dados coletados em campo.
Tecnicamente falando, o que houve foi uma acomodação do terreno maior que todos os parâmetros previsíveis. A acomodação trouxe um peso muito maior do que o que poderia ser previsto. Quando a estrutura do escoramento das paredes começou a apresentar trincas, subjugada pelo peso, o terreno arenoso escoou pela fenda, provocando o desabamento.
O Brasil inteiro está chocado pela tragédia. Todos os esforços devem ser concentrados para a averiguação do acidente, para evitar que ele se repita e para amparar as vítimas e suas famílias. Não é hora de jogar ao vento julgamentos precipitados que escondem interesses políticos e uma visão anacrônica sobre o papel do Estado no Brasil.

RENATO PAVAN, 69, engenheiro civil, é diretor da Blue Water Management (BWM), consultoria especializada em parcerias público-privadas. Foi presidente da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.) de 1995 a 1998.