DAVOS. Parece estar tomando corpo no governo a tendência de não fazer qualquer reforma neste segundo mandato. O Fórum para debater soluções para a Previdência, por exemplo, mesmo que assuma a visão de que o déficit não é do sistema previdenciário, mas do Tesouro, terá pelo menos que enfrentar a questão a longo prazo, pois mesmo que não existisse déficit hoje, ele acontecerá no futuro se não forem mudadas as regras de aposentadorias.
Os investidores estrangeiros em geral consideram que uma maneira de conseguir aumentar a idade para a aposentadoria é adotar o que muitos países europeus estão fazendo: estimular com bônus salarial a permanência no mercado de trabalho após a idade-limite, que vai chegando a 65 anos, com tendência a aumentar esse limite.
A questão é que, ao contrário da Europa, o Brasil é um país que precisa abrir mercado de trabalho para os seus jovens.
A reforma política, prometida durante a campanha eleitoral como prioridade, já foi oficialmente abandonada pelo governo com a declaração do ministro Tarso Genro de que ela é dispensável para dar governabilidade ao país. A reforma tributária dificilmente será objeto de consenso entre os governadores.
Também o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que está na comitiva presidencial aqui em Davos, acha que a discussão sobre reformas ou macroeconomia não leva a lugar nenhum, e que é preciso focalizar as ações mais objetivamente nos investimentos: “O Brasil tem grandes oportunidades de investimentos em infra-estrutura, no biodiesel, não adianta ficar discutindo se os juros estão altos ou se a carga tributária deveria ser menor”, comentou ele após um almoço em que investidores insistiram em que, sem as reformas estruturais, o país não crescerá de maneira sustentável e fortemente nos próximos anos.
O que mais preocupa os investidores internacionais e os analistas é a barafunda da legislação tributária, que exige muita burocracia e especialistas para ser entendida, e como contrapartida estimula a corrupção dos fiscais e a informalidade.
O tamanho da informalidade no Brasil impressiona os estrangeiros, e é considerado uma das causas da falta de competitividade das empresas que trabalham dentro da lei. É também uma das responsáveis pela carga tributária elevada, que atingiu a incrível marca de 39% do PIB no ano passado.
O empresário Jorge Gerdau, um quase ex-ministeriável que participa do Fórum da Davos, mas não faz parte da comitiva presidencial, comentava que, em termos internacionais, uma carga tributária acima de 30% torna qualquer empresa não competitiva, e desestimula potenciais investidores. Os investidores, nas conversas com os ministros brasileiros, chegam a dizer que a simplificação do sistema tributário seria mais prioritária do que propriamente reduzir a carga, que poderia ser um objetivo de mais longo prazo.
O governo brasileiro tenta mostrar que estão sendo dados passos na direção de desburocratizar o sistema, mas sempre que comparado a China ou Índia, e até mesmo ao Chile, seus representantes têm atitudes defensivas. Para o ministro Luiz Fernando Furlan, China e Índia terão brevemente que superar problemas que o Brasil enfrentou nos anos 70 do século passado: a migração de populações rurais para os grandes centros, em busca de oportunidades de trabalho.
Terão também que lidar com questões que hoje não são suas prioridades, como a proteção ao meio ambiente.
Nesse particular, Stuart E.
Graham, o presidente da Skanska, da Suécia, uma das gigantes internacionais no setor de infra-estrutura, embora ressaltando que considera importante proteger o meio ambiente, fez um apelo para que a legislação ambiental não seja um empecilho burocrático para as obras que são necessárias.
Também o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, alegou que as reformas realizadas no Chile, na China e na Rússia foram conseguidas através de atos de força, ou em períodos ditatoriais ou, referindo-se à Rússia atual, ao sistema hiperpresidencialista, que faz com que o Executivo praticamente controle o Legislativo e o Judiciário.
Por trás da decisão conservadora do Banco Central de reduzir a taxa Selic em apenas 0,25%, está o temor de que o aumento de gastos correntes do governo pressione a inflação. A possibilidade de redução do superávit primário para 3,75% do PIB pode contribuir para isso, mas a aposta entre os técnicos do BC é que, mesmo autorizado, o governo não conseguirá elevar para 0,5% do PIB os investimentos em infra-estrutura, seja por dificuldades burocráticas, seja pela atuação dos setores privados.
O presidente Lula usou em Davos uma expressão que deve ter sido difícil de traduzir: “Agora ou vai ou racha”, para garantir que o governo vai começar obras de dragagem em portos importantes para as exportações mesmo sem recursos do setor privado que, segundo ele, “é muito desconfiado na hora de investir”.
O economista Raul Velloso, em conversa recente, dizia que os mercados esperam uma queda forte dos juros neste e no próximo ano na taxa Selic, que é a taxa de curtíssimo prazo, “basicamente, pela inundação de liquidez que o país recebe do mundo, seja pelos ganhos nos preços de exportação, seja pelo ingresso maciço de dólares na conta de capital. Dólares em excesso traduzem-se em juros de curto prazo, baixos”.
Segundo ele, “isso vai, sim, abrir espaço para reduzir o superávit primário, enquanto a bonança durar.
Mas não tanto como muitos imaginam, já que, ao mesmo tempo, vai aumentar a dívida de prazo mais longo, que paga juros mais altos, e o governo vai continuar comprando dólares para evitar que a taxa de câmbio caia mais”. Para Velloso, o superávit pode cair, mas não muito, “e é preciso saber que uma hora a festa vai acabar, pois, lá fora, o cenário pode mudar como sempre mudou”.