sexta-feira, dezembro 22, 2006

Roberto Pompeu de Toledo


Papai Noel: as questões mais delicadas

Revelações sobre a vida, os sonhos,
o trabalho,
as dúvidas e as angústias
do bom
velhinho


– Papai Noel sempre foi velho?

– Não. O período de sua mocidade há muito é matéria aberta a especulações. Segundo uma delas, ele teria tido uma existência dissipada, recheada de bebidas, mulheres e aventuras irresponsáveis. Outra, pior, lhe atribui um crime hediondo, em virtude do qual teria optado, como purgação, por uma vida de entrega aos semelhantes. O fato de sua vida pregressa ser desconhecida estimula toda sorte de fantasias. Pode-se afiançar, no entanto, que P.N. foi um moço bom. Desde a mais tenra idade se deixou impregnar pelo idealismo dos que têm como maior fonte de felicidade a promoção da felicidade alheia. Fixou-se como objetivo fazer o bem.

– Por que então só começou a agir depois de velho?

– Por dois motivos. Primeiro, porque seu projeto exigia longa maturação. Segundo, porque a estampa de velho lhe traria mais credibilidade. Certa ou errada, é crença universal que os velhos têm o espírito mais apaziguado, mais resistente às tentações deste mundo, e guardam mais bondade no coração.

– Ele sempre foi gordo?

– Não. P.N. foi um menino franzino e um jovem de peso mediano. A gordura consistiu num objetivo a atingir, tão logo se apercebeu de que, assim como a velhice, transmite a idéia de uma bondade bonachona. Hoje em dia a vida é dura para os gordos. À estética da magreza somam-se os alertas médicos contra os riscos da obesidade. Caso P.N. optasse por emagrecer, poderia até ficar milionário, vendendo depois "A dieta do Papai Noel". Ocorre que P.N. é um tipo generoso, mas não é bobo. Calculou milimetricamente sua operação. E chegou à conclusão de que se apresentar velho e gordo era a combinação ideal para alguém que pretendia não apenas ser, mas parecer bom.

– Como P.N., com seus rústicos meios, entre os quais o trenó, as renas e as cartinhas com os pedidos, consegue desempenhar suas funções num mundo de economia cada vez mais complexa e sucessivos avanços tecnológicos?

– P.N. já recebe mensagens por e-mail. Estuda sugestões de contratar call centers na Índia, para os pedidos, de terceirizar a fabricação de brinquedos, entregando-a a empresas chinesas, e de contratar motoboys para sua distribuição, mas teme o efeito de semelhantes inovações em sua imagem.

– Não seria impróprio, da parte de P.N., apresentar-se nesses trajes de inverno no Brasil, um país tropical e onde, ainda por cima, no Natal é verão?

– Seria fácil, embora de início chocante, apresentar-se de tanga e de chapéu de Carmen Miranda nas visitas ao Brasil, mas seria um erro. Neve e frio gozam no Brasil de prestígio maior do que na Islândia. Um toque estrangeiro também sempre vai bem no país, como o comprova o próprio nome Papai Noel, adotado do francês Père Noel. Aqui, ao contrário dos irmãos portugueses, que designam o bom velhinho por Pai Natal, a expressão foi traduzida só pela metade.

– P.N. tem família?

– Não. Prestigiar a família está na essência de suas funções, mas ele próprio não tem uma. A Mãe Noel que às vezes lhe atribuem como companheira é um adendo tolo à sua história. E, antes que venha a pergunta, a inexistência de uma vida sexual não lhe causa tormento. Ele vive bem com seu trenó e suas renas.

– P.N. é feliz?

– A questão é delicada. Coloquemos da seguinte maneira: ele já foi mais feliz.

– O que o incomoda?

– As críticas, abertas ou veladas. Acusam-no, por exemplo, de usurpar no Natal o lugar central que deveria ser ocupado por certo Menino. O fato de a mesma festa ter dois protagonistas causa mesmo mal-entendidos. Um autor americano conta que um japonês certa vez representou o Natal com um Papai Noel crucificado. De formação budista e taoísta, ele não entendera o espírito da coisa. Acusam P.N. também de incentivar o fenômeno a que se dá o nome de consumismo, e de ser agente do "imperialismo", com seus trajes de cores como as da Coca-Cola. E às acusações acrescenta-se a ofensa quando usam seu nome em expressões como "P.N. foi pródigo com os deputados e senadores", como se, convertido em velho espertalhão, fosse o responsável pela doação de vantagens indevidas. Tudo isso dói. Ele, que na vida só pensou em fazer o bem, se vê denunciado como fonte de diferentes encarnações do mal. Ainda não surgiu um movimento acusando-o de ser homem e branco. Mas, na certeza de que, mais dia, menos dia, isso ocorrerá, P.N. vive perseguido por pesadelos em que minorias furiosas levantam tais bandeiras.

– Seria correto dizer que P.N. virou uma criatura angustiada?

– Tudo indica que sim. Como fazer o bem? É raro encontrar duas pessoas com a mesma resposta. Os tempos são tão confusos que ficou difícil distinguir o bem do mal. Como fazer as pessoas felizes? Antes parecia tão simples – era só dar um presente. P.N. é um ser que, como uma criança ao crescer, começa a desacreditar de P.N.