domingo, dezembro 24, 2006

ENTREVISTA ANTÔNIO ANASTASIA



É inútil só cortar gastos, afirma "gerente" de Aécio

Tido como técnico competente, prestígio acumulado pelo secretário de Gestão mineiro no ajuste das contas do Estado o alçou a vice-governador no 2º mandato

VINICIUS MOTA
MARIA CRISTINA FRIAS

ENVIADOS ESPECIAIS A BELO HORIZONTE

O coordenador do chamado "choque de gestão" em Minas Gerais afirma que o desprezo pelo controle de resultados é a causa de grande parte da ineficiência no serviço público. O prestígio acumulado por Antônio Anastasia, 45, foi tanto que ele acabou vice-governador eleito para o segundo mandato de Aécio Neves (PSDB). Em entrevista na capital mineira, Anastasia criticou o ajuste fiscal tradicional -o corte linear de despesas.
Com a gestão centrada nos controles dos processos mais corriqueiros da administração, sustenta, é possível conciliar equilíbrio orçamentário e melhora nos serviços públicos. Para ele, mais importante que mudar as regras é conhecer as que existem a fim de obter um serviço público mais arrojado.

FOLHA - O serviço público brasileiro é muito ineficiente?
ANTÔNIO ANASTASIA
- É verdade. Lamentavelmente o serviço público brasileiro é ineficiente, não por culpa dos servidores ou dos dirigentes. É uma culpa anônima. Está na cultura brasileira uma dedicação excessiva com atividades-meio, com formalidades, rituais, solenidades. Nunca houve preocupação grande com os resultados da administração. Sempre nos preocupamos com a licitação e o concurso público. Tudo isso é muito importante, mas o Estado tem de ter preocupação também em apresentar resultados para a sociedade que o sustenta. Então, essa ineficiência passa muitas vezes pela ausência de foco nos resultados.

FOLHA - Qual é a peculiaridade do ajuste fiscal feito em Minas?
ANASTASIA
- Esses cortes que normalmente são feitos, lineares e com o contingenciamento orçamentário, agradam exclusivamente ao caixa. Há o equilíbrio financeiro, mas o resultado para a sociedade não só é pífio como piora a prestação de serviços. A nossa concepção foi a de conciliar o equilíbrio financeiro do Estado com a melhoria dos serviços públicos. Como é possível conciliar as duas coisas? Por meio dos mecanismos de gestão. Conseguimos o equilíbrio fiscal e, concomitantemente, alocamos esses recursos em obras, investimentos, na melhoria do custeio.

FOLHA - Para que haja essa transformação gerencial são necessárias mudanças nas leis?
ANASTASIA
- De fato, o marco legal brasileiro é conservador e, se ele não chega a atrapalhar, não estimula. O processo de licitação é crônico. Para construir uma casa popular ou uma usina hidrelétrica é a mesma legislação, são as mesmas regras. Há um princípio de isonomia no serviço público que desestimula o seu funcionamento. Devemos evoluir no marco legal e também, mais importante, no conhecimento das normas de modo a permitir uma administração mais empreendedora, arrojada.

FOLHA - Com a grande vinculação entre receitas e despesas públicas é possível cortar mais gastos?
ANASTASIA
- Mas o problema não é cortar o gasto, é gastar bem o que se tem. Todos os Estados gastam 25% em educação, mas uma coisa é gastar 25% e não ter educação de qualidade; outra é gastar em modelos de educação que mudaram países da Europa e do Oriente. Por que não vão mudar aqui?

FOLHA - Vai chegar uma fase de ter de reduzir o funcionalismo?
ANASTASIA
- O Brasil não tem, pelos padrões internacionais, um número grande de servidores per capita. Isso não existe. Temos servidores que estão despreparados, desmotivados, que não estão animados a realizar um bom serviço. Então, o problema não é cortar servidores. É dar-lhes condições.

FOLHA - A sua proposta não fica limitada quando não se pode, por exemplo, demitir servidores?
ANASTASIA
- De fato nós não podemos criar uma política de demissão, mas podemos criar estímulos positivos. Aqueles que exercem bem seu papel vão receber benefícios maiores. Quem não tem bom desempenho não vai ser punido, não vai perder o que tem, mas vai deixar de ganhar e, aí, vai se entusiasmar. E seus colegas vão cobrá-lo, pois a meta é coletiva.

FOLHA - Como lidar com o problema dos cargos comissionados?
ANASTASIA
- Estamos criando um mecanismo, a certificação, que vai minimizar esse problema. Fizemos um convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais para realizarmos uma prova aberta a todos os que atendam a determinado perfil técnico. Os aprovados ganharão um certificado, que vai possibilitar que um deles seja o nomeado para aquele cargo em comissão -a nomeação ficará restrita àquele universo.

FOLHA - O sr. frisa que não foi adotado aqui um modelo de gestão privada. Qual a diferença?
ANASTASIA
- A gestão privada se baseia em um corpo dirigente que é permanente e um corpo de empregados variável. O lucro é a sua mola propulsora e a sua regra jurídica é: pode ter tudo aquilo que a lei não proíbe. Já o serviço público só pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza; baseia-se no princípio de que a administração é volátil e o corpo de servidores, permanente; e seus objetivos são de natureza social. É possível fazer uma adaptação [de aspectos da gestão privada para a pública]. Agora, não pode haver um transplante, pegar um instrumento privado e jogar no serviço público, porque haveria rejeição absoluta.

FOLHA - Empresas que financiaram a campanha do governador Aécio Neves contribuíram para fazer esse projeto de mudança na gestão em Minas. A fronteira entre público e privado não está sendo ameaçada?
ANASTASIA
- Não. Tivemos a colaboração de muitas grandes empresas com atividades em Minas, num valor financeiro irrisório, não só perto do faturamento delas como também perto do que o Estado arrecada. O valor da doação foi de cerca de R$ 5 milhões tão-somente. As empresas não tiveram nenhum benefício em razão dessa doação. O único benefício que tiveram, elas e toda a população mineira, foi a adoção de alguma metodologia que melhorou o funcionamento do Estado.

FOLHA - E o fato de o governo de Minas ter lançado na rubrica "saúde" gastos com combate à febre aftosa, que não é doença que ameace o ser humano, não deslustra um pouquinho o choque de gestão?
ANASTASIA
- Não, porque aqui estamos tratando de um assunto que é muito periférico ao choque de gestão. Essa questão da saúde depende de uma regulamentação da emenda constitucional 29, através de uma lei complementar federal. Enquanto ela não houver, prevalecem as interpretações dos Tribunais de Contas dos Estados.
Em Minas Gerais, o TCE definiu em 2003 quais despesas poderiam ser alocadas. Além da despesa de saúde no seu sentido mais estrito, também foram admitidas despesas na área de saneamento, na área de defesa sanitária, que são essas despesas [com febre aftosa], muito pequenas no bolo alocado.
Então não nos parece que haja deslustre porque, se observarmos a evolução das despesas com saúde nos últimos quatro anos em Minas, vamos ver um crescimento muito agudo dessa alocação. Agora, vamos depender de uma grande discussão no Congresso sobre o que pode ou não ser considerado saúde.