O vôo Rio-Belo Horizonte estava tranqüilo, e os passageiros liam ou dormiam, enquanto a tripulação servia um lanche. Até que começou uma turbulência forte, serviço suspenso, as pessoas se entreolharam e seguraram forte na cadeira. Nos olhares trocados, era possível ver o mesmo medo. Há dois meses, o Brasil tem sido bombardeado por informações de que viajar de avião é uma operação de alto risco.
Os brasileiros foram sendo informados, desde a tragédia da Gol, que o ministro da Defesa e a Aeronáutica não se entendem, que o ministro da Defesa nada sabia da crise dos controladores de vôo, também nunca soube de um relatório que mostrava outros três quase-acidentes, nem de pontos negros no controle sobre a Amazônia, ou que alguns equipamentos estão velhos.
A cada dia, uma nova notícia inquietante é dada ao passageiro, num enredo estranho em que as autoridades parecem estar improvisando em cena aberta sobre como devem executar a tarefa de ordenar o tráfego aéreo do Brasil.
Tragédias são tragédias e não há nada de bom que se possa tirar delas. Mas houve apenas um fato reconfortante para os brasileiros: a competência e o empenho dos militares da Aeronáutica e do Exército resgatando todos os mortos para que as famílias pudessem ao menos cumprir o ritual do luto. Por semanas a fio, lutaram, incansáveis e vencedores, em condições extremamente difíceis.
Enquanto isso, as outras autoridades batiam cabeça.
A Anac mostrou não estar preparada para a gestão de crise, a diretora Denise Abreu, nas entrevistas e conversas com as famílias, mostrou que lhe faltam razão e sensibilidade. O ministro da Defesa, Waldir Pires, deu uma declaração por dia, e nenhuma guardava qualquer relação com o que fora dito na véspera.
Aí estourou outra crise que o Brasil nem sabia que tinha: a do descontrole dos controladores. Se nós passageiros estamos surpresos com esta crise que explodiu repentinamente, tudo bem.
Somos apenas passageiros.
Mas o ministro Waldir Pires disse, ao programa “Roda Viva”, que, se não fosse a queda do avião da Gol, ele jamais saberia da crise dos controladores de vôo. Deveria saber.
Ele também não sabia de um relatório que informava que, em outros três momentos, aviões se cruzaram perigosamente próximos nos céus do Brasil.
— Vou pedi-lo e lê-lo — disse o ministro. Já deveria tê-lo, pode-se completar.
A queda do avião mostrou que o Brasil tem um ministro que improvisa explicações.
A crise dos controladores de vôo mostrou que o Comando da Aeronáutica e o ministro da Defesa não se entendem.
— Estou colocando isso para a sociedade discutir — disse o ministro, sobre se o controle deveria ser civil ou militar. As autoridades devem primeiro se pôr de acordo sobre o tema; deveriam, ao menos, ter mantido conversas sobre o assunto.
Isso não é tema para ser tratado por torcida organizada.
O que o passageiro quer é a solução que lhe traga mais segurança, e as autoridades que cumpram seu dever de zelar pelo interesse coletivo.
Quando a discussão estourou, a imprensa registrou que, antes disso, eles nunca haviam tratado do tema. As primeiras reações do comando da Aeronáutica surpreenderam, como a do aquartelamento dos controladores.
A reação do ministro da Defesa foi ainda mais desconcertante, com suas declarações cheias de idas e vindas. Numa mesma entrevista, ele é capaz de dizer que um controlador leva de cinco a seis meses para ser formado, mas que tudo estará resolvido até o fim do ano. Chama os controladores, que hierarquicamente respondem aos militares, para uma reunião no formato sindical com o ministro do Trabalho, e depois diz que o assunto permanecerá militar porque é de segurança nacional. Disse que não sabia que os controladores trabalhavam “no limite” e, depois, que está tudo normal no país.
Uma das medidas de emergência tomadas foi tratar como duas operações separadas: o controle civil e o de defesa. Ficou pior a emenda, porque a aviação comercial e a FAB passaram a ser operadas por equipes sem contato entre si.
Quando o jornalista americano Joe Sharkey, que estava no Legacy no momento do choque com o avião da Gol, disse que o espaço aéreo brasileiro é um caos, o ministro se enfureceu: — As investigações já mostraram que isso é uma leviandade, até porque, se fosse um caos, não teríamos um dos melhores índices do mundo em relação a acidentes.
É uma afirmação irresponsável.
De lá para cá, as autoridades parecem estar se esforçando para confirmar a impressão de Sharkey. Inicialmente, o ministro da Defesa se esforçou para insinuar que a culpa era dos pilotos americanos, com declarações como: — Está descartada a hipótese de erro dos operadores.
Se eles tiveram uma pane no transponder, mais do que nunca deveriam ter entrado em contato. É impossível não perceber um transponder não funcionando.
As companhias aéreas, desde a crise da Varig, passaram a praticar uma política de preços incompreensível.
Há preços para vôos internos que chegam a ser mais altos que voar para a Europa; a diferença de uma hora na saída de um vôo pode significar, como pessoalmente constatei, um preço três vezes maior no mesmo trecho.
Com empresas aéreas com práticas extorsivas, com autoridades batendo cabeça, com controladores “no limite”, com dúvidas sobre a segurança de vôo no Brasil, as agências de viagem estão enfrentando cancelamentos, os hotéis estão com capacidade ociosa, o país está perdendo espaço no turismo e, o pior, o brasileiro, hoje em dia, viaja com o coração na mão.