O atual modelo brasileiro de política fiscal está esgotado. Era um trampolim para outras mudanças e, nos últimos quatro anos, o governo Lula usou-o como se fosse passarela. É o que pensa o economista político Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico. O atual modelo foi inaugurado em 1999, após a crise, e foi baseado nas metas de superávit primário. Ao fim de oito anos, o país cumpriu as metas, os contribuintes fizeram um grande esforço, e a dívida/PIB continua mais ou menos do mesmo tamanho.
Marinis acha que o melhor seria agora aperfeiçoar o atual modelo, sustentando a busca do equilíbrio fiscal da União através da manutenção do superávit primário e do uso concomitante de outra fórmula: metas para a relação entre a dívida consolidada líquida do governo federal e a sua receita corrente líquida.
Os estados seguem metas de endividamento em relação à sua receita líquida.
Marinis acha que, se fizesse metas declinantes, exeqüíveis e flexíveis, o governo federal poderia conseguir até mais crescimento econômico.
Hoje, o objetivo final da política de superávit primário é exatamente o de reduzir o endividamento. O problema é que, por maior que seja o esforço, o governo tem mantido mais ou menos em 50% do PIB a sua dívida líquida. Quando subiu um pouco, foi apenas pela desvalorização cambial — e o impacto da alta do dólar na dívida dolarizada e externa — mas, se for mantido o mesmo ritmo de mudança, só em 20 anos se chegará a um nível confortável de dívida.
Em agosto de 2000, o governo encaminhou uma proposta de fixar a dívida em 3,5 vezes a receita corrente líquida. A proposta não foi votada. Marinis acha que, se fosse adotada, poderia ter seu efeito antecipado pelo mercado, aumentando a confiança no compromisso do governo.
Ele acredita que seria flexível, porque, quando o governo atingisse mais rapidamente a meta do ano, ele poderia reduzir o superávit primário.
— O ponto chave é o Brasil sinalizar aos investidores que reduzirá, de fato, a sua dívida pública, e não simplesmente continuar produzindo um superávit que apenas mantém a dívida constante num patamar mais elevado — afirma Marinis.
Uma coisa é certa: da maneira como está, o país tem andado em círculos. Apesar do esforço nos últimos oito anos para cumprir à risca as metas fiscais, o Brasil não saiu do lugar. Pelo contrário.
Como é possível ver no gráfico abaixo, todo o esforço para cumprir as metas de superávit foi feito pelo contribuinte, que mandou mais recursos para o g o v e rn o .
Hoje o risco é de que o governo descumpra as metas — explicitamente ou de forma disfarçada através do uso do Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), ou seja, não contabilizando certos investimentos como gastos.
Quando o atual modelo fiscal foi adotado, ele representou um avanço e uma mudança para melhor no ajuste fiscal entre o primeiro e o segundo governo Fernando Henrique.
— Hoje, apesar de as metas de superávit primário dos últimos oito anos terem sido imaculadamente cumpridas, o Brasil se vê diante de um quadro no qual não há a perspectiva de um crescimento mais robusto.
Também não há grandes investimentos públicos nem privados. Não há margem para se manter elevado o superávit primário. Não há espaço para novos aumentos de carga tributária, nem para reforma estrutural nas contas públicas — diz Alexandre Marinis.
A questão é se existe alguma solução que não passe pela reforma do processo orçamentário: 82% dos recursos orçamentários têm destinação obrigatória.
Essa rigidez já é problema suficiente para os governantes, mas o novo governo Lula terá que enfrentar outros problemas, como o da expansão recente das despesas. O reajuste do salário mínimo em 16,7% aumentará as despesas em R$ 12,6 bilhões nos 12 meses de maio de 2006 a abril de 2007. O reajuste dos aposentados significou mais R$ 4,9 bilhões de gastos em 12 meses e o aumento salarial do funcionalismo, R$ 5,5 bilhões este ano e R$ 10,8 bilhões no ano que vem. A reforma da Previdência, aprovada no começo do governo, ainda não foi regulamentada; a reforma tributária não reformou nada, apenas elevou o PIS/Cofins e prorrogou a CPMF e a DRU. O país está muito longe do verdadeiro equilíbrio fiscal.
Modelo esgotado 05 04 03 02 01 00 99 98 97 96 95 29,8 0,3 -0,1 -1 0 3,2 3,5 3,6 3,9 4,3 4,6 4,8 29 29 29,7 31,7 32,5 34 35,6 34,9 35,9 37,4 CARGA TRIBUTÁRIA E SUPERÁVIT PRIMÁRIO (Em % do PIB) Superávit primário Carga tributária