sábado, novembro 25, 2006

Carta ao leitor


Céus turbulentos

Mauricio Lima/AE

Retrato de um aeroporto brasileiro: a classe média paga mais esse pato

Aos olhos dos cidadãos incrédulos, foi como um acontecimento imprevisto: o meio mais rápido e seguro de viajar transformou-se, no Brasil, no mais demorado e inseguro. Até ocorrer a colisão do Boeing da Gol com o jato Legacy, pensava-se que os céus brasileiros eram de brigadeiro, graças a um controle aéreo do mesmo nível do americano e do europeu. Mas o acidente que matou 154 pessoas e o conseqüente apagão na aviação civil, com seus atrasos de decolagens, cancelamento de vôos e desconfiança geral, mostraram que isso era ilusão. Há buracos negros nos radares que cobrem o território nacional e os controladores são poucos, mal treinados, mal pagos e corporativistas. Como se não bastasse, seus equipamentos pecam pela obsolescência. Evidentemente, já era assim havia muito tempo, como fica claro pelos relatórios que só agora vieram a público. Se o caos parece ter-se instalado de repente, foi porque o choque entre os dois aviões sobre a Amazônia destampou essa panela de pressão. O apagão, portanto, é também de responsabilidade e competência.

A reportagem que VEJA traz na página 56 indica as cinco formas de desatar os nós da aviação brasileira antes das férias de janeiro, período em que as viagens de avião aumentam geometricamente. É um engano pensar, no entanto, que o setor turístico é o único a sofrer com o apagão aéreo. Cerca de 70% dos passageiros viajam a trabalho. Além disso, num país de dimensões continentais e com estradas lastimáveis, o transporte de mercadorias por avião é vital para a economia. Por último, mas não menos importante, deve-se registrar que o caos nos aeroportos afeta diretamente a classe média brasileira, da qual provém a maior parte dos passageiros. Enxovalhada pelos políticos populistas, penalizada pela queda de renda, pelo aumento da criminalidade, pelos reajustes escolares e de planos de saúde acima da inflação, ela tem de enfrentar mais esse tormento. Ruim para todos, porque uma classe média pujante e bem atendida em suas necessidades é um dos pilares das nações estáveis e prósperas.