quinta-feira, novembro 30, 2006

Eliane Cantanhede - Narrativa própria e apropriada




Folha de S. Paulo
30/11/2006

"A imprensa tem de discutir o governo, mas não o contrário." A frase é de uma clareza e de uma importância enormes num momento em que Lula, ministros, dirigentes petistas e afins metem o sarrafo na imprensa publicamente e, internamente, discutem sabe-se lá que barbaridades sobre como tratar "esse problema".
Quem a pronunciou, em entrevista à Folha, não é político nem partidário. É jornalista, doutor em comunicação pela USP: o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, que tenta resistir, corajosamente no conteúdo e suavemente na forma, a essa onda antiimprensa.
Entre outras coisas, ele nadou contra a maré e tentou ensinar aos colegas de governo que a Radiobrás é um veículo do Estado para prestar informação aos cidadãos. Não é, como muitos gostariam, inclusive outros professores de jornalismo, um órgão a serviço do governo, qualquer que seja o governo.
Segundo ele, não cabe à empresa ser porta-voz nem fazer propaganda desse governo -que, por ser do PT e se julgar melhor do que todos os demais do planeta, quer tudo e todos a seu próprio serviço, desde o Banco do Brasil, passando pela Petrobras e chegando à Radiobrás.
A fala de Bucci é um rasgo de bom senso republicano numa costura cada vez mais visível para calar ou driblar as críticas que a imprensa faz ao atual governo, como fazia aos anteriores. Pergunte a Sarney, a Collor, a Itamar, a FHC se eles gostavam. Não. Nem por isso discutiam como impedir ou como usar dinheiro público para financiar "órgãos independentes" -aliás, outra ficção desmascarada por Bucci.
Ele mostrou que é possível ser simpatizante ou membro do PT, votar há 500 anos em Lula, ter cargo em Brasília e não ser cooptado por ímpetos autoritários, na base do "somos melhores do que todo mundo" e "os fins justificam os meios". Agora, é esperar.
Será que ele fica? Ou melhor: vão deixar que fique?

elianec@uol.com.br