Dora Kramer - Cerca Lourenço |
O Estado de S. Paulo |
25/11/2006 |
Se tivesse mesmo algo a tratar com a oposição, Lula já teria feito o convite Se o presidente Luiz Inácio da Silva tivesse mesmo alguma questão importante e inadiável a tratar com seus adversários políticos, os quase dois meses transcorridos desde a entrada desse assunto na sua agenda teriam sido mais que suficientes para ele formular oficial e objetivamente o convite, dizendo o que, afinal de contas, pretende. No lugar de fazê-lo, ocupa-se de um jogo de vaivém pela imprensa, ora sondando um, ora elogiando outro, ora desancando um terceiro e, agora mais recentemente, revelando seu desejo real: o de que a oposição aceite firmar com ele um pacto de amizade até 2010, abrindo mão de seu papel de se opor, criticar, fiscalizar e, quando for o caso e estiver em jogo o destino do País, conversar, eventualmente aceitando sugestões governamentais para apoiar esta ou aquela proposta. Enquanto as coisas não forem postas assim em termos claros e muito simples, o governo não se mostrará politicamente confiável. Vai continuar parecendo que adota a famosa tática do cerca-lourenço, buscando constranger o possível interlocutor, expondo os adversários a mau julgamento por parte da opinião pública. Como se a oposição, ao preservar seus próprios espaços, estratégias e conveniências políticas - como de resto fez o PT a vida toda até, com isso, conquistar a Presidência da República - , estivesse necessariamente apostando no quanto pior melhor. Daí a considerar um crime de lesa-pátria a existência de setores discordantes na sociedade é um pulo, pois, por essa lógica, quem diverge peca. Todos os dias, desde a campanha para o segundo turno da eleição, há uma declaração de Lula ou de algum ministro deixando explícita essa intenção. Ontem mesmo o ministro Tarso Genro produziu numa só entrevista um exemplo da dubiedade. Mostrou-se a um só tempo ameno, "aconselhando" a oposição a aceitar os apelos à proximidade feitos pelo presidente, e agressivo, classificando parte dos adversários de "ressentidos" por causa da "derrota acachapante". Isso é jeito de falar em entendimento? Aliás, permanece a dúvida: entendimento em torno do quê? Segundo o ministro, de um "programa para que o Brasil tenha um crescimento de 5% no ano que vem". Mas, se o presidente diz que não há programa de crescimento, que ainda estuda o que fazer com a economia e pede prazo até 31 de dezembro para apresentar as soluções e se estas já estão sendo estudadas pelo governo, fica realmente obscura a motivação dos apelos para um diálogo cuja pauta inexiste. Se quer mesmo e sabe o que propor, então o governo deve fazê-lo. Sendo necessários votos adversários no Congresso - único espaço de influência conferido pelas urnas à oposição - para aprovar as medidas, aí, sim, haverá sobre o que conversar. Negocia-se politicamente ponto a ponto e cada um vive a sua vida. Fora disso, governo e oposição não têm nada a pedir ou a oferecer um ao outro. Da maneira como o tema vem sendo encaminhado, quando o encontro acontecer, se acontecer, cada um sairá dele com a interpretação mais conveniente e continuarão todos exatamente onde estão. A menos que o presidente queira, e os interlocutores aceitem, uma rendição liminar. Mas não é o caso, ou não parece ser. E, não estando em jogo uma aliança política, como Fernando Collor propôs há 15 anos e o PSDB recusou, não sobra nada a não ser um abissal desperdício de tempo com mais um daqueles truques publicitários dos quais Lula se vale em substituição ao ato de governar.
Confessionário Em dois dias, o presidente Lula fez duas confissões importantes. Primeiro, que não tem nem nunca teve idéia sobre o rumo do crescimento. Depois, que montou um ministério no primeiro mandato de amigos desqualificados. No dia seguinte ao anúncio da data de 31 de dezembro para ele e sua equipe encontrarem uma solução para a economia crescer 5% em 2007, Lula aconselhou os governadores eleitos a não escolherem amigos para assessorá-los, "mas sim pessoas qualificadas". Em 2003, a quem impunha reparos ao ministério formado na maioria por petistas quase todos eleitoralmente derrotados, o Palácio do Planalto explicava que a "alta qualificação" profissional deles justificava a nomeação. O próprio Lula dizia-se satisfeito com o "time", a começar pelo "capitão" José Dirceu. Saber reconhecer equívocos não é um mau atributo. Ao contrário. Caberá ao presidente mostrar-se capaz de corrigi-los a contento porque já não poderá alegar inexperiência ou o peso da "herança maldita".
Sete chaves A condição imposta pelo governo para o PTB integrar oficialmente sua base, a retirada de Roberto Jefferson do comando do partido, só será cumprida se o deputado cassado concordar. A bancada do PTB não ousará contrariar o algoz do mensalão - como não ousou até hoje - enquanto ele for o fiel depositário de um segredo: o destino daqueles R$ 4 milhões repassados a ele pelo PT a título do pagamento de dívidas campanhas eleitorais dos petebistas. |