Editorial |
O Estado de S. Paulo |
31/10/2006 |
Terminada a festa da reeleição, é bom o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esclarecer no menor prazo possível quem mandará no Ministério da Fazenda e no Banco Central (BC). Todas as preocupações, neste momento, são justificáveis. Por enquanto, quem decretou o fim da “era Palocci” foi o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, obviamente apoiado pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O ministro Guido Mantega permaneceu, nos últimos dias, onde esteve desde sua nomeação para o Ministério: em plano recuado, falando ocasionalmente em nome próprio e sempre seguindo, na prática, a orientação dos conselheiros políticos do presidente. Mantega foi apenas um carimbador das bondades eleitorais, embora tenha encenado, numa ou noutra ocasião, uma tímida resistência à abertura do cofre. Será esse o papel do ministro da Fazenda, nos próximos quatro anos? Em seu primeiro pronunciamento, depois de confirmada a reeleição, o presidente Lula prometeu atenção aos pobres, maior crescimento econômico e uma política fiscal dura. Mas ressalvou: para evitar ajustes pesados, o melhor será promover a expansão da economia. Descontado o tom acaciano – quem não prefere o crescimento? –, sobrou o mistério sobre como será buscado o equilíbrio das contas públicas. O presidente não explicou, nem seus auxiliares. Há no governo estudos sobre mudanças na política orçamentária, segundo reportagem do Estado. Seria adotada, entre outras inovações, uma alteração no cálculo do resultado fiscal. A meta seria definida em termos de resultado corrente, deixando-se o investimento fora do cálculo das despesas. Mas o problema não está na fórmula contábil. Investimento e custeio, diferentes por seus efeitos, envolvem igualmente aplicação de recursos. O dinheiro para investir é igualzinho ao destinado ao consumo. Não há distinção, quando o imposto sai do bolso do contribuinte. Mudança de rótulos não modifica o problema – apenas pode disfarçá-lo. É preciso levar em conta, em qualquer discussão séria, a gestão responsável de todo o dinheiro envolvido no orçamento. E é preciso incluir nesse debate o futuro da Previdência, a política de pessoal e outros detalhes desagradáveis. Um crescimento econômico mais acelerado pode facilitar uma política severa de ajuste, mas o grande problema é que, na situação atual, essa aceleração depende de um ajuste mais severo. A indefinição quanto a essas questões é ainda mais preocupante quando se fala em sujeitar o BC, novamente, à orientação política do Executivo. O fim da autonomia operacional do BC – condição de fato, mas não legal – vem sendo apresentado como componente de uma nova orientação econômica. Não se conhece definição oficial sobre isso, mas esse é o rumo apontado pelo ministro Tarso Genro e aplaudido por economistas, políticos e empresários favoráveis a uma política “desenvolvimentista”, que também têm defendido uma ampliação do Conselho Monetário Nacional, responsável pela escolha da meta de inflação. Tem-se falado em combinar a política monetária com metas de crescimento, uma idéia atraente, à primeira vista, mas perigosamente obscura. Na prática, pode resultar em tolerância a uma inflação maior, como se a expansão da economia fosse determinada apenas pela taxa de juros e não pela voracidade de um governo com excesso de gastos. Do lado externo, o presidente Lula e Tarso Genro prometem aprofundar o terceiro-mundismo. Há quatro anos, disse o presidente na entrevista depois da eleição, “o Mercosul era considerado uma coisa extinta” e falava-se muito da Alca. “Hoje ninguém fala mais da Alca e todo mundo fala do Mercosul”, acrescentou. Mas o bloco regional só é um sucesso na cabeça do presidente reeleito. De fato, continua em crise e a conta das dificuldades tem sido paga pelo Brasil e pelos sócios menores. A inclusão da Venezuela, como se sabe, só pode trazer mais problemas, se o Mercosul for envolvido nas brigas políticas do presidente Hugo Chávez. Todo esse falatório só aponta, por enquanto, para uma novidade: o perigo de um rompimento completo com todos os padrões de sensatez econômica. |