quinta-feira, setembro 28, 2006

É preciso debater

É preciso debater

editorial
Folha de S. Paulo
28/9/2006

País tem hoje rara chance de ver candidatos à Presidência da República discutirem principais problemas nacionais

CONSAGRAdo pelo cálculo do marketing político, o hábito dos líderes nas pesquisas eleitorais de não comparecer a debates é condenável. A tentativa de se preservar de eventuais arranhões entra em franco conflito com a disposição, democrática, de enfrentar o contraditório.
Depois de aprovada a reeleição, o argumento ganha força. Pela simples razão de que o líder nas pesquisas é com freqüência o governante de turno, o debate torna-se ocasião não apenas para discutir propostas como para sustentar as realizações da gestão que está se encerrando.
Em contexto de crise política, as razões tornam-se mais evidentes. Descontados poucos meses de calmaria, a administração petista no governo federal vem há mais de um ano enredada numa sucessão de escândalos para os quais a resposta do presidente tem deixado a desejar.
O confronto com a inquirição dos demais candidatos é um teste crucial. O eleitor tem o direito de avaliar o desempenho do presidente antes de decidir o voto -ainda mais de um presidente pouco afeito a entrevistas e historicamente avesso a contestações públicas. Seria portanto um ganho para a transparência do processo eleitoral a presença de Luiz Inácio Lula da Silva no debate de hoje à noite na TV Globo.
O tema da vez é a chamada crise do dossiê. Para além das platitudes já repetidas à exaustão sobre a necessidade de investigar o caso, faltam explicações sobre a incapacidade de cortar vínculos com a banda podre do PT. Seguem insondáveis os pontos de conexão entre a Presidência e o séquito de assessores -capazes de quase tudo para manter-se no poder- que floresce à volta do primeiro mandatário e que nem a crise do mensalão bastou para extirpar dos quadros do partido.
Mas a discussão não se encerra com a crise. É atribuição básica do candidato à reeleição, bem como de seus concorrentes, apresentar diretrizes para o mandato que se inicia em 2007. Sabe-se que não há recursos para manter o gasto público na mesma toada.
A queda nas já modestas perspectivas de crescimento econômico para este e o próximo ano não deixa dúvida: sem atacar o problema fiscal, nenhum presidente dispõe de condições para cumprir promessas. Ainda nessa semana, o ministério do planejamento foi pego de surpresa pela redução na arrecadação tributária e promoveu um corte de R$ 1,6 bilhão nos gastos com custeio e investimentos programados.
O combate a essa erosão orçamentária pressupõe medidas impopulares para conter a evolução das chamadas despesas correntes. Não é praxe abrir o "saco de maldades" em época de eleição. Mas é impensável um debate político que ignore a discussão a respeito das saídas para o estrangulamento financeiro do Estado e a estagnação econômica. Os candidatos são suficientemente versados em eufemismos para trazer o tema à tona sem prejuízo eleitoral.
Às vésperas das eleições, privar o eleitor de elementos para elaborar um juízo ponderado é gesto que em nada contribui para o avanço da democracia no Brasil.