O Globo |
26/9/2006 |
A reta final desta eleição pode ser afetada por diversos fatores intangíveis que não estiveram presentes em eleições recentes, ou pelo menos não ao mesmo tempo, o que impede que se faça uma análise prospectiva com base em uma série histórica. O primeiro fator presente nesta eleição, que atua na psicologia do eleitor de maneira especial, é a discussão ética, que havia ficado pelo meio do caminho e retornou ao centro do debate nesta última semana, com o escândalo da tentativa de compra por R$1,7 milhão, por parte de petistas integrantes da campanha de reeleição de Lula, de um suposto dossiê contra candidatos tucanos. Essa ilegalidade já confessada pelos petistas presos trouxe à eleição o elemento emocional que estava ausente do debate político, e reviveu um clima de perplexidade e indignação que se instalou no país no ano passado, com a crise do mensalão. O clima da disputa eleitoral mudou, ficou mais acirrado, e isso não é favorável a Lula. Em decorrência, cresceu a possibilidade de a escolha no primeiro turno de parcela dos eleitores se tornar "estratégica", isso é, não desejando que a eleição se defina no primeiro turno, esse eleitor estaria mudando para Cristovam Buarque, do PDT, mesmo que ele não tenha chances de vitória. O voto em Heloísa Helena seria o voto de protesto, ou mesmo o voto-cacareco, mas seu momento parece ter passado, pelo menos estacionado. O voto em Cristovam seria não apenas uma homenagem à sua luta pela educação como uma maneira de adiar a decisão para um segundo turno, permitindo que o contraditório se instale no debate eleitoral e reduzindo a força de Lula, mesmo que continue favorito. Esse voto "estratégico" esteve presente, embora de maneira diferente, apenas na eleição de 2002. Em 1989, havia dois candidatos que disputaram pau a pau quem iria para o segundo turno contra Collor, e Lula venceu por uma margem irrisória que Brizola morreu achando que fora fraudada. Em 1994 e 98, Fernando Henrique venceu Lula no primeiro turno. Já em 2002, uma espécie de "voto estratégico" esteve presente nos primeiros lances da campanha, quando o eleitor que não queria a continuidade do PSDB tentou alternativas antes de se fixar em Lula - sendo que Garotinho nunca foi uma delas. O eleitor namorou primeiro Roseana Sarney, depois Ciro Gomes, e acabou indo para Lula. Garotinho tinha uma raia própria de oposição e disputava com Serra quem iria para o segundo turno, mas em nenhum momento houve chance de um dos dois derrotar Lula. Desse ponto de vista, a ida de Serra para o segundo turno também pode ser visto como um "voto estratégico" a favor do PSDB, que deixou Lula menos fortalecido, e não transformou Garotinho em uma alternativa política real. Há também nesta eleição o fenômeno do voto não-homogêneo, o que não se viu nas eleições anteriores. O candidato vencedor costuma ganhar em todas as regiões e em todos os estratos sociais, o que não acontece nesta eleição, em que Alckmin prevalece no Sul e Lula tem sua maior força no Nordeste, embora seja bem votado em todo o país. Em eleições polarizadas assim, o nível de abstenção pode influir a favor de um ou de outro candidato, dependendo das condições meteorológicas no dia da eleição, ou do índice de erros na digitação. Na reta final, a eleição se polarizou de vez, e a diferença a favor de Lula para que liquide no primeiro turno está se estreitando, embora ele continue vencendo em 1º de outubro. Hoje a pesquisa CNT/Sensus deve apresentar uma diferença mais próxima dos oito pontos percentuais do último Datafolha do que dos três pontos encontrados pelo Ibope. A definição da tendência ficará por conta das duas últimas pesquisas antes da boca-de-urna. Tanto pode acontecer de o Datafolha convergir para a diferença do Ibope, o que confirmará a tendência de segundo turno, como o Ibope pode voltar a mostrar uma diferença próxima dos oito pontos percentuais, o que demonstrará que o pique da crise do dossiê, registrado pelo Ibope, já refluíra na sexta-feira quando o DataFolha fez seu campo integralmente. Um outro fator diferente nesta eleição que pode influir no resultado final, especialmente nesse clima de denúncias de corrupção, é o comparecimento ou não do presidente Lula ao debate de quinta-feira na TV Globo. O não comparecimento, que já se tornara comum nas outras eleições, ganhou uma dimensão política maior com a decisão de deixar a cadeira vazia do faltoso exposta aos eleitores. Tanto que diversos candidatos pelos estados decidiram comparecer. Na coluna de domingo, quando falei sobre a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre a redução do nível de pobreza no país, cometi um erro e uma injustiça. Errei ao escrever que não houve redução da desigualdade no governo Lula, pois ela aconteceu: entre 2003 e 2005, a desigualdade caiu 3,49%. A injustiça foi ver um viés político na divulgação dos números, a uma semana da eleição. O economista Marcelo Neri me demonstrou que os resultados dos estudos são divulgados historicamente 15 dias depois da liberação dos microdados da Pnad. Para comprovar que os estudos da FGV são apartidários, Neri lembra diversos fatos, inclusive que coube a eles divulgar que a pobreza havia aumentado em 2003, primeiro ano do governo Lula, ou que a queda da pobreza com Fernando Henrique em 2002, ano de eleição, havia sido recorde. Mas, como com os números pode-se fazer malabarismos, amanhã publico alguns reparos à metodologia da FGV feitos pelo economista Cláudio Considera, que foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda de 1999 a 2002. |