Entendendo a mensagem de Bento XVI
Sandra Cavalcanti
Aquela cena dolorosa continua indelével em nossa memória. O dia estava radioso. Na Praça de São Pedro se apinhavam milhares e milhares de católicos, vindos de todas as partes do mundo. Festejavam o 13 de maio, dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima. Eis que, de pé, num carro aberto, surge o papa, acenando e abençoando a multidão. Um homem forte, alto, sorridente. A capa velejando alegre ao vento, o povo vibrando de alegria e emoção.
De repente, um tiro! O papa cai, gravemente ferido.
Levado para o hospital, ele sobrevive. Mas começa ali um martirizante calvário de dores e limitações.
De onde veio a bala? Quem puxou o gatilho? E por quê?
Estarrecido, o mundo viu o ódio do quase homicida ser abafado pelas palavras de perdão vindas do papa. Essa é a nossa fé. Nós, católicos, não pregamos a violência. Não acreditamos nela. Não podemos aceitá-la como forma de convencer quem pensa diferente de nós. Sem qualquer violência, insistindo apenas no valor da liberdade e no respeito ao direito de expressão, João Paulo II ajudou a derrubar o Muro de Berlim, a libertar a Polônia, a minorar o sofrimento das mulheres e a defender o direito de nascer dos indefesos, ainda no ventre materno.
Sua pregação, poderosa, atravessou ares, montanhas e mares, com a força da verdade e do amor. Incomodou os tiranos e irritou quem vive da mentira. Soube usar, como ninguém, os meios de comunicação. Graças à sua ação, o império comunista acabou derrubado pelos valores da civilização cristã. No mundo globalizado de hoje, pessoas e governos estão sendo obrigados a se empenhar mais na defesa desses valores, que incomodam apenas poderosos que só sobrevivem graças ao fanatismo de seus súditos e à falta de liberdade em que são mantidos. Esses tiranos estão apavorados com a idéia de que o ar puro da liberdade e o crescimento moral dos povos se espalhe pela Terra e chegue até eles!
Os fatos que mostram o grau da intolerância desses chefes são espantosos. Um autor de poemas é condenado à morte. Uma jovem estudante é enterrada viva. A mulher é decapitada por não querer casar. Jovens, na flor da idade, afivelam bombas ao corpo para se explodirem juntamente com todos os que estiverem por perto. E deixam vídeos gravados, que expõem a loucura de seu fanatismo religioso.
Na visão do mundo ocidental, suicídio revela falta de confiança no perdão e na misericórdia de Deus. Para esses fundamentalistas, não. Os mais trágicos e cruéis atos de terror praticados nestas décadas foram cometidos por jovens suicidas, supostamente em nome de Alá!
Diante desse confuso quadro da História, a palavra do papa Bento XVI chegou em boa hora. Ao rejeitar com firmeza, em nome da cristandade, a tentativa de serem aceitos os métodos de expansão religiosa pela violência, ele rompeu um silencio que já ia pesando sobre nós. Nenhuma fé religiosa pode pensar em se expandir à custa de violência, disse o papa, pois este é um caminho irracional, que vai contra a própria natureza de Deus.
Não tenho dúvidas quanto à intencionalidade e oportunidade de suas considerações. Culto e preparado como é, com o peso do pontificado, a escolha de trechos do famoso diálogo entre o imperador bizantino e o pensador persa, versando sobre o tema, não foi nem ato falho nem inconveniente, como alguns chegaram a supor. A discussão desta questão foi deliberado alerta, dirigido principalmente aos que praticam, na vida, os valores cristãos da civilização ocidental.
No salão da universidade onde foi professor, cercado de mestres da mais alta competência, ele discorreu sobre a irracionalidade da violência como meio de expansão da fé. Estava no local certo. Discutia com um público à altura do tema e das condições históricas. Falava ali, na sua Baviera, onde ocorreu o atentado de Munique, durante a Olimpíada de 1972.
Atentado ninguém esquece. Os ingleses se lembram do metrô de Londres. Os franceses recordam os horrores das noites de incêndio em Paris. Os espanhóis choram os seus mortos nos comboios em Madri. Os americanos, atônitos com a brutalidade nas torres gêmeas, ainda não se recuperaram daquela mortandade.
Há, porém, entre estas tragédias e todas as que são provocadas por guerras, uma diferença enorme. Na luta aberta e declarada entre países, por exemplo, há chefes militares e interesses nacionais. No caso de todas as ações terroristas recentes, não há chefes militares. Nem sequer países em guerra. A motivação é apenas o ódio aos que não pertencem às suas fanatizadas falanges. Um ódio quase insano contra os valores do mundo ocidental. Ódio às suas praticas de liberdade e ao seu respeito pelos direitos humanos. Ódio aos que seguem os ensinamentos de Cristo, por fé, e ódio aos que, mesmo sem fé, praticam em sua vida os valores que Cristo infundiu em nossa civilização.
Para mim, Bento XVI calculou serenamente o efeito que suas palavras iriam despertar. E tinha razão. Se a reação imediata dos islâmicos fundamentalistas foi ameaçadora, em contrapartida toda a União Européia acordou para o risco que correm os países onde se refugiaram, da miséria e do terror, milhões de muçulmanos.
Embora lamentando os aborrecimentos, Bento XVI não pediu desculpas. E fez bem. A sua mensagem é séria, grave e clara: temos de defender os valores de nossa civilização cristã. Devemos ser tolerantes com os que erram, mas não com os seus erros.
Esses fanáticos, que obedecem cegamente às ordens de seus aiatolás, não se suicidam sozinhos! Se o suicida não provocar derramamento de sangue de ímpios, fica sem direito a entrar nos jardins das delícias...
Impedir a ação desses alucinados é nosso dever. Esse tipo de fé religiosa, que se expande pelo terror, precisa levar um basta. Essa foi a questão que o papa lançou ao mundo.