Vai fazer cinco anos do maior ataque terrorista já cometido desde que se usou pela primeira vez a palavra terrorismo. Na área do World Trade Center, posto abaixo no 11 de Setembro, começaram há quatro meses, para terminar em 2012, as obras do que foi concebido para ser um símbolo ainda mais portentoso do orgulho americano, o babilônico conjunto de três arranhacéus, um memorial de US$ 1 bilhão, uma megaestação para 13 linhas de metrô - e uma torre de 540 metros. O outro lado dos cinco anos são os escombros do poderio político dos Estados Unidos. Nada parece deter o descrédito do país que ergueu o maior aparato militar, a maior economia e o maior sistema de ciência e tecnologia da história - e cuja prosperidade segue atraindo legiões de emigrantes. Em 2002, quando o presidente Bush se preparava para invadir o Iraque e dizia que as Nações Unidas caminhavam para a irrelevância, o chanceler francês Dominique de Villepin falava dos Estados Unidos como a hiperpotência, para criticar a sua conduta arrogante, o seu indecente desrespeito pela opinião da humanidade - o avesso do que pregava o pai da pátria Thomas Jefferson. Hoje é o caso de perguntar que hiperpotência é essa cuja ministra do Exterior, no caso, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, não consegue ser recebida em Beirute, depois de endossar a ofensiva israelense, pelo primeiro-ministro de um país que cabe na cárie de um dente do colosso americano. Ela tampouco conseguiu ir às capitais árabes, Cairo, Amã e Riad, onde os autocráticos governantes, cuja sobrevida depende dos Estados Unidos, acharam melhor não ser vistos em companhia americana, embora inicialmente tivessem culpado o Hezbollah pela crise. Washington é dono de um arsenal nuclear capaz de destruir a Terra sucessivas vezes. Mas de que lhe vale essa capacidade de overkill? Um ditador de topete de Elvis Presley, o norte-coreano Kim Jong-il, anuncia ter mais mísseis atômicos do que se supõe. Outro boquirroto, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, desafia Bush e o seu poodle britânico Tony Blair a impedi-lo de levar adiante o seu programa de enriquecimento de urânio. O Oriente Médio pós-11/9 e o Iraque pós-Saddam são o que Osama bin Laden não ousaria imaginar em seus mais extravagantes delírios. Nunca antes se viram os Estados Unidos errar tanto em tão pouco tempo. O próprio 11 de Setembro só aconteceu devido à monumental incompetência dos autísticos serviços americanos de espionagem e de uma Casa Branca ocupada por um nefelibata. Decorridos cinco anos dessa tragédia que de outro modo poderia ter sido evitada, desafia a razão que o presidente Bush, com a massa de estrategistas políticos e militares de um governo daquele porte, e ainda com os privilegiados cérebros da academia e dos think-tanks que o poder, o dinheiro e a promessa de prestígio podem comprar, continue a ser uma caricatura do rei Midas, transformando em barro tudo o que toca. Um colunista israelense, Yossi Sarid, do Haaretz, não exagerou ao escrever dias atrás que a eleição de Bush "foi uma terrível calamidade para o mundo e todos os seus habitantes". Em grande parte porque os "malfeitores", no jargão do bushismo - ou melhor, os inimigos daquilo que a América talvez fosse hoje se a eleição de 2000 tivesse sido limpa -, simplesmente passaram a dar de ombros. "Eles fazem as suas coisas", resume Sarid, "como se os Estados Unidos não existissem, ou não tivessem nada a dizer." A guerra civil no Iraque e a devastação do Líbano multiplicaram por mil a produção de análises como essa. Uma das mais bem fundamentadas é do veterano comentarista Max Hastings, publicada segunda-feira no Guardian de Londres, sobre os perigos da crença tosca do bushismo numa conspiração islâmica planetária. (Talvez não seja crença, mas pretexto para impor a supremacia americana.) "Em setembro de 2001, a maior parte do mundo percebeu claramente que um crime monstruoso havia sido cometido com os Estados Unidos e que a derrota da Al-Qaeda era essencial à segurança global", recorda Hastings. "Embora muitos muçulmanos comuns não tivessem ficado propriamente entristecidos em ver punida a soberba americana, o apoio popular a Osama bin Laden era ainda pequeno e assim permaneceu durante a invasão do Afeganistão. Hoje, naturalmente, tudo mudou. Aos olhos de muitos muçulmanos, as ações de Bush e Blair promoveram e legitimaram a Al-Qaeda como o seu fundador dificilmente teria antecipado uma década atrás." O epicentro da problema, obviamente, se situa no mundo árabe-muçulmano. O nome do problema, também obviamente, é a miragem compartilhada pelos Estados Unidos e por Israel de que é possível estabilizar o Nunca antes o mundo viu tantos erros dos EUA em tão pouco tempo Oriente Médio sem um Estado palestino, com base no plano da Arábia Saudita aprovado pela Liga Árabe em 2002, ironicamente em Beirute, ou nos moldes do projeto traçado em Genebra por negociadores privados árabes e israelenses no ano seguinte. Mas a perda de influência americana é visível a olho nu em outras latitudes também. "O seu status de superpotência está abalado", constatou domingo o semanário londrino Observer. "Países que antes consideravam uma aliança com os Estados Unidos a sua única opção estratégica foram às compras em outras redondezas." A Rússia de Putin, a mais nova admiradora da América de Bush em 2001, dela se distanciou ostensivamente, preferindo uma atitude de não-alinhamento que inclui um flerte provocador com a Venezuela de Chávez. Os asiáticos se voltam para a Índia e a China. "O mundo ´unipolar´ de que tanto se falava depois da guerra fria, no qual os EUA eram o único poder que contava, mostrou ter vida breve", assinala o Observer. "O equilíbrio global de poder se afastou da América, apesar da sua força econômica e militar." Aonde isso vai dar não se sabe. O certo é que o terror como recurso político ainda não era, em 2001, um dado de peso da realidade internacional. Hoje é. |