O Globo |
22/8/2006 |
A força do marketing eleitoral, que mais uma vez se impõe na propaganda das eleições brasileiras, foi tratada magistralmente pelo jornalista americano Joe Klein, colunista político da revista "Time", num livro, ainda não publicado no Brasil, cujo título já diz tudo: "Política perdida: como a democracia americana foi banalizada por pessoas que pensam que você é estúpido". Analisando as campanhas presidenciais americanas desde a de McGovern, em 1972 - quando, pela primeira vez, um especialista em marketing político, o pioneiro Pat Caddell, atuou diretamente em uma campanha -, ele constata que a política americana vem perdendo espontaneidade e coragem em troca dos conselhos dos marqueteiros. O último ato espontâneo de um político Klein localiza na campanha de Bob Kennedy, quando, contra o conselho de sua segurança, ele compareceu a um ato num subúrbio negro de Indianápolis no dia da morte de Martin Luther King. Lá, anunciou, emocionado, o assassinato, e evitou uma rebelião falando diretamente ao povo, sem seguir nenhum script previamente escrito por seus assessores. Mas a regra é cada vez mais seguir as orientações dos marqueteiros, e dois filmes retratam casos exemplares da atuação de "conselheiros políticos" americanos em campanhas eleitorais em países tão distintos quanto a Bolívia em 2002 e a Rússia em 1996. O primeiro chama-se "Bolívia, história de uma crise", e está em exibição no circuito do Rio. É um documentário sobre a eleição de Gonzalo Sánchez de Lozada, com base na estratégia montada pela firma do famoso marqueteiro James Carville, que entrou para a história das campanhas eleitorais com a frase "É a economia, estúpido", para definir a vitória de seu cliente Bill Clinton. Sánchez de Lozada, o Goni, que já havia sido presidente da Bolívia de 1993 a 1997 e saíra bastante impopular devido a uma política disfarçada de privatizações, tentava retornar e se encontrava bem atrás do favorito, Manfred Reyes Villa. Um dos 11 candidatos à Presidência àquela altura era o líder cocaleiro Evo Morales, que começava uma série de manifestações de rua exigindo uma Constituinte. Os consultores americanos não viam em Evo Morales uma ameaça - um deles chega a dizer, a certa altura, que com 13% das intenções de votos ele estava acima de sua base -, e iniciaram uma campanha negativa para "desconstruir" a imagem do candidato favorito. Manfred foi mostrado como militar, condição que ele não destacava na campanha, e com tendências fascistas. Spots mostravam sua mansão e outros imóveis, levando ao eleitorado a suspeita de que enriquecera com corrupção, e insinuavam, pela imprensa, ligações suas com o reverendo Moon. A 60 dias da eleição, a "guerra suja" começou a dar resultado: grupos qualitativos indicaram rejeição a Manfred, que estagnou nas pesquisas, embora Goni não tivesse subido. Somente a 30 dias da eleição os marqueteiros convenceram o arrogante Sánchez de Lozada a admitir que seu programa de privatização não criara tantos empregos quanto ele prometera. James Carville, pessoalmente, fez o briefing, ditando palavra por palavra o que o candidato deveria dizer na TV, e até o jeito de caminhar diante das câmeras: "Aprende-se muito com a Presidência. Sei que ainda há muito a fazer. Não consegui criar tantos empregos quanto queria". As pesquisas qualitativas registraram imediatamente uma reação favorável ao novo Goni, humilde e esperançoso. A dez dias da eleição, um fato inesperado quase muda o resultado, que àquela altura já se mostrava favorável a Goni. O embaixador americano na Bolívia, Manuel Rocha - que Carville define como "um idiota" -, fez uma declaração pública contra Evo Morales, comparando-o a terroristas e narcotraficantes. Sánchez de Lozada venceu com 22,5% dos votos, contra 20,9% de Morales e 20,8% de Manfred. Mas ficou apenas 14 meses no governo, tendo se exilado nos Estados Unidos. Evo Morales começou ali sua marcha para a Presidência da Bolívia, contra a previsão dos marqueteiros americanos. Outro filme, que deve ser encontrado nas locadoras, é "Plano B - A América contra o comunismo", que mostra a atuação de três conselheiros políticos ligados ao Partido Democrata dos Estados Unidos na campanha de reeleição de Boris Yeltsin, para evitar a vitória do candidato do partido comunista. Os consultores George Gorton, Dick Dresner e Joe Shumate permaneceram escondidos em Moscou durante toda a campanha, para não ferir a suscetibilidade do povo russo, e tinham como missão tirar Yeltsin dos 6% nas pesquisas e levá-lo à vitória contra o líder comunista Gennady Zyuganov, favorito com 31%. Refizeram a maneira de Yeltsin discursar, tornando-o menos enfadonho e demorado; fizeram com que sorrisse e fosse para a rua abraçar o povo; passaram a fazer a ligação do voto nele a um futuro mais seguro para a família. Até o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, ajudou na campanha, fazendo uma mensagem em que se referia à eleição de Yeltsin como necessária para um mundo mais seguro. Faltando pouco mais de dois meses para as eleições, Yeltsin chegou aos dois dígitos, mas com metade das intenções de voto de Zyuganov, que liderava com 24%; 15 dias depois, a disputa já estava tecnicamente empatada: 20% para Yeltsin e 22% para Zyuganov. O golpe fatal foi sugerido por pesquisas qualitativas no campo, que revelaram que havia um medo latente com a possível volta dos comunistas ao poder. A propaganda de Yeltsin passou a mostrar imagens dos massacres bolcheviques de 1917, com um locutor ao fundo ameaçando com a insegurança. Yeltsin venceu o candidato comunista por apenas 3% de diferença. |