Sem dúvida beneficiado por ter feito um discurso lido, sem acréscimos improvisados, o pronunciamento do presidente Lula na abertura do 6º Congresso Brasileiro de Jornais, terça-feira, em São Paulo, teve uma precisão conceitual irretocável, ao estabelecer o valor da liberdade de expressão e a conexão profunda entre a livre imprensa e a democracia. Mas, como quase sempre acontece, as palavras do presidente não corresponderam - infelizmente - à realidade dos fatos, no que diz respeito a seu próprio governo. Disse o presidente: "O Estado democrático só existe, se consolida e se fortalece com uma imprensa livre (...) A liberdade de expressão foi uma das maiores conquistas históricas da sociedade humana. E é um dos bens mais preciosos da vida social (...) Nossa legislação impede qualquer forma de censura. O Estado tem se pautado por não causar qualquer tipo de interferência nos meios de comunicação social." E o presidente disse mais, que "o único juiz da atuação da imprensa é a própria população", que "ela, sim, consegue ver se os problemas do seu cotidiano estão ou não representados nas notícias e nos debates que são veiculados pelos meios de comunicação, e sabe reconhecer quando o jornalismo é, de fato, a grande praça pública onde sua voz pode ser ouvida". Sob o ponto de vista institucional, até pelo fato de a sociedade brasileira já ter sofrido severas censuras de ditaduras, nossa legislação é muito mais anticensória do que a de muitas democracias que nunca passaram por períodos de cerceamento à liberdade de expressão. Mas, suspensa a censura do regime militar, foi somente no governo Lula que se tentou, por duas vezes (e mais uma terceira, como veremos), criar-se limitações à plena liberdade de expressão, sob diferentes roupagens ou disfarces. A primeira tentativa foi a de criação do famigerado Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), projeto enviado pelo governo Lula à Câmara dos Deputados, destinado a "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e a atividade de jornalismo, inclusive compoderes de punir jornalistas. O governo recuou nesse propósito, graças ao firme repúdio da opinião pública, que repercutiu no Congresso. A segunda tentativa foi a da criação da também famigerada Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) - entidade com poderes discricionários sobre a regulamentação e controle do cinema, televisão, TV por assinatura, rádio e demais empresas de modalidade audiovisual, em qualquer formato. O espírito autoritário - para não dizer totalitário - de tal projeto foi prontamente detectado e, mais uma vez, foi rechaçada a imposição de cerceamento à liberdade de expressão no País. Agora, no assim intitulado "Programa de Governo", divulgado na campanha reeleitoral, se afirma que num novo mandato presidencial Lula "incentivará a criação de sistema democrático de comunicação, favorecendo a democratização da produção, da circulação e do acesso aos conteúdos pela população". O problema é que, ao achar, corretamente, que "o único juiz da atuação da imprensa é a própria população", um presidente eleito por essa população dá a impressão de que se sente no direito de decidir ele próprio "se os problemas do seu cotidiano estão ou não representados nas notícias e nos debates que são veiculados pelos meios de comunicação". Ante esse sinal de perigo, não dá para deixar de relacionar a idéia de setores do PT, de construir uma cadeia de jornais regionais que apóie as "idéias populares" do governo, e o plano de apoio publicitário (da Casa Civil e da Secretaria de Comunicação Institucional, há dois anos) a jornais de periferia afinados com o Planalto, com a incisiva acusação do coordenador do programa de governo do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, contra "alguns" formadores de opinião do País - que chamou de "golpistas" e "deformadores de opinião". Para deixar por menos, já conhecemos bem esse filme. Em sua fala na ANJ, Lula reconheceu que "sua história política deve muito à imprensa", referindo-se ao apoio que teve da mídia como líder sindical. Esqueceu, no entanto, do apoio que tem obtido da mídia em toda a sua carreira, posto que jamais, "neste país", homem público algum ocupou tamanho espaço nos veículos de comunicação, principalmente como presidente. |