terça-feira, agosto 01, 2006

Jânio de Freitas - Palavra mal-empregada

Jânio de Freitas - Palavra mal-empregada


Folha de S. Paulo
1/8/2006

Com FHC, era esquecer o que escreveu. Com Lula, é esquecer o que disse. Ao eleitor, resta esquecer o que sonhou

A MAIORIA dos comentaristas de política assegurou que a eleição presidencial seria marcada por fogo muito grosso da oposição, municiada com fartura pelos vários escândalos, mas o que há de grosso, até agora, vem da produção verbal de Lula.
Cada pronunciamento seu traz um ataque grosseiro ou uma provocação sempre muito acima do tom dos adversários, exceto, nem precisaria dizer, a senadora-candidata Heloísa Helena.
Aos tijolos que lança um tanto a esmo, porém, Lula junta algo mais indigesto: são as bazófias ditas com a sem-cerimônia dos demagogos mais deploráveis. Mas atribui as inverdades aos outros. É o caso, por exemplo, de um escapismo que já usou mais de uma vez e repetiu, agora, na entrevista a Heródoto Barbeiro para a CBN. É um escapismo preventivo, porque sabe que a criação insuficiente de empregos é um dos pontos fracos do seu governo. Diz ele:
"Se pegar o programa de governo que fiz em 2002, dizia que o Brasil precisava criar 10 milhões de empregos. Não tem lá, em nenhum momento, eu dizendo que ia criar. Fazem [sic] 44 meses que o emprego cresce todo santo mês". Ou seja, mente quem se referiu ou se refere à promessa.
Por variadas razões, de citação dispensável, pode-se afirmar que Lula não escreveu o seu programa de 2002. Leu-o, como você e eu. Foi Lula em pessoa, no entanto, quem disse, com voz e rosto ofertados a todo o país no seu programa eleitoral de TV, que criaria 10 milhões de empregos. Não foi uma afirmação única, emitida na empolgação, até por serem as suas falas no programa predeterminadas e, depois da gravação, repassadas e montadas convenientemente pela equipe de Duda Mendonça. Quem tenha dúvida a respeito, Lula inclusive, pode consultar as gravações.
E quantas pessoas receberam o programa escrito? Nem como profissional o recebi, só o lendo por procurá-lo. Mas as promessas e compromissos dos programas de TV eram recebidos por dezenas de milhões de eleitores.
O adendo do "emprego que cresce todo santo mês" foi feito, na entrevista, quando Lula já tinha, pelo menos desde a véspera, a informação de que o desemprego voltou a subir no mês passado. Tanto que, no mesmo dia da entrevista, a subida do desemprego o levava a oferecer juros privilegiados às montadoras de carros se, em troca, mantiverem os empregos.
Com Fernando Henrique, era esquecer o que escreveu. Com Lula, é esquecer o que disse. Ao eleitor, resta esquecer o que sonhou.

Correspondência
Aos gentis eleitores que se deram ao trabalho de me mandar seus insultos, a propósito do artigo sobre a guerra que o governo de Israel faz ao Líbano, peço que aceitem como resposta a notícia da morte de 37 crianças em Qana.