Até pouco tempo atrás, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, não era um entusiasta do fim do voto secreto nas sessões do Parlamento. Para os casos de cassações, por exemplo, não tinha certeza de que o voto aberto seria garantia de punição. Ao contrário, poderia inibir suas excelências diante dos colegas acusados. Isso quando ainda o corporativismo se sobrepunha a quaisquer outros valores dentro do Poder Legislativo. Mas hoje o presidente da Câmara pensa diferente. Tantas o Congresso fez que o quadro se inverteu: "A publicidade de voto passou a ser uma proteção para o eleitor e uma forma de o Parlamento dar à sociedade alguma resposta na direção da recuperação de sua credibilidade. As coisa coisas chegaram a um tal ponto que é preciso fazer um gesto." Ou seja, o fundo do poço venceu a racionalidade dos critérios que nos primórdios justificavam a existência do voto secreto para o deputado e o senador. "Na origem, foi criado para proteger o parlamentar do arbítrio do rei e, depois, no regime militar, a regra permaneceu para preservar a independência do deputado e senador do poder discricionário." Note-se que o voto secreto não é exigido só para cassações. Vale para punições, mas vale também para a escolha de diretores de agências reguladoras, embaixadores, presidentes do Banco Central, conselheiros do Tribunal de Contas da União e, mais importante, para a votação de vetos presidenciais a projetos aprovados pelo Legislativo. Em tese, Aldo Rebelo acha que a manutenção do sigilo para todos esses outros casos seria o ideal, excetuandose apenas as cassações, porque não existe um perfeito equilíbrio entre Poderes em matéria de independência. Com o fim do voto secreto para tudo - que é a proposta considerada mais adequada pelo presidente da Câmara -, Rebelo vê a possibilidade de aumentar a "vigilância" do Executivo sobre o Legislativo naquelas outras questões. A derrubada de um veto presidencial, por exemplo, que já é difícil, ficaria praticamente impossível. Agora, como todo o Congresso foi submetido a um grau de suspeição jamais visto, o presidente da Câmara não vê outro jeito senão a extinção radical do sigilo do voto. "Se a população reduz a sua confiança no Parlamento, a única atitude possível é esse mesmo Parlamento dar a maior publicidade possível a todos os seus atos." No limite, Aldo Rebelo considera que até essa publicidade servirá de proteção ao deputado e ao senador contra intenções autoritárias e controladoras por parte do governo. A questão crucial que se impõe agora é: vai dar realmente para votar o fim do voto secreto na semana que vem, como pretende o presidente da Câmara? Há três ou quatro meses ele responderia negativamente a essa pergunta. "Fiz uma consulta aos líderes partidários que ficaram de ouvir suas bancadas e até hoje estou esperando as respostas." Aldo Rebelo acha que o sigilo no Parlamento hoje só favorece o compadrio A CPI dos Sanguessugas, entretanto, funcionou assim como a gota d´água que faz transbordar a represa da insatisfação social. Câmara e Senado envolvidos em acusações de roubalheira explícita é, de fato, uma situação insustentável. Tanto que a mesma consulta feita dias atrás àqueles líderes resultou em aceitação, senão plena, ao menos majoritária. PP, PL e PTB ainda estão hesitantes, mas PMDB, PSDB, PT, PFL, PPS, PSOL, PC do B e PV dispuseram-se a votar simbolicamente as 20 medidas provisórias que trancam a pauta para dar espaço à emenda constitucional de extinção do voto secreto. Fica faltando o governo retirar a urgência de alguns projetos para criar as condições regimentais exigidas. Na semana que vem, se alguém obstruir a votação simbólica das MPs ou se o Planalto não cumprir o acordo na retirada das urgências, ficará claro quem não quer o fim do voto secreto. Se aprovado, os sanguessugas já irão para o plenário sob a nova regra. "Nem todos, alguns, se reeleitos, terão os processos reabertos na próxima legislatura", diz Aldo Rebelo. E o voto aberto bastará para garantir as punições? "Nos casos mais escandalosos, sem dúvida. Hoje já há uma convicção interna de que o corporativismo funciona contra a instituição que mexe com a vida de todo mundo e precisa ter credibilidade, sob pena de perder sua razão de ser." Uma vez basta Aldo Rebelo nega as especulações segundo as quais estaria se preparando para disputar a reeleição à presidência da Câmara, tal como fará o presidente do Senado, valendo-se da regra segundo a qual pode haver um novo mandato em legislaturas diferentes. Rebelo acha que para ele disputar mais dois anos de presidência faltam as condições objetivas: sustentação de um grande partido (ele é do PC do B) e força junto ao Palácio do Planalto, que o elegeu da outra vez, numa situação peculiar, mas agora vai, na visão dele, preferir outro tipo de entendimento em conformidade com as necessidades da nova base parlamentar. "Em torno do afilhado é que se faz o compadre", ensina, ciente de que não é mais o afilhado da vez. |