No mundo das idéias, a proposta do presidente Luiz Inácio da Silva, chamando a oposição a um grande entendimento nacional - reeditando o "pacto" pretendido por José Sarney no auge das dificuldades em seu governo -, é não só aceitável, como muito saudável. Na realidade da vida política, porém, é inexeqüível. Lula fala em distensão de ânimos, abandono da lógica do conflito para, se for reeleito, conseguir fazer um segundo mandato próspero, com redução de impostos, queda de juros, diminuição do déficit da Previdência e gastos mais adequados em infra-estrutura e educação. Não fala dos gastos públicos, o problema crucial. São vários os motivos pelos quais não há condições objetivas para fazer um pacto. O primeiro deles, determinante, aliás, é que Lula gastou seu patrimônio de crédito entre os eventuais parceiros. Em quatro anos pouco do que ele disse pôde ser escrito. Ontem mesmo, quando sugeriu o entendimento em reunião com empresários, surpreendeu a platéia com o distanciamento entre o que dizia e o que acontecia. No instante em que a Receita divulgava dados mostrando a enormidade da carga tributária (37,37% do PIB), Lula jactava-se de não ter aumentado impostos. Nesses quatro anos, desde o primeiro momento a prática do governo em suas negociações com o Congresso - quando se atinham ao campo temático,bem entendido - tem sido marcada pelo rompimento sistemático de acordos firmados entre lideranças. A indiferença aos acertos já começou com a reforma da Previdência e o esquecimento do prometido apoio a ajustes na proposta aprovada pelo Senado (a chamadaLula está PEC paralela) quando a matéria voltou à votação na Câ-sem crédito mara e a partir daí deu-se na praça uma longa seqüência de ditos pelos não ditos. Os gover-para se nadores estão aí para servir de testemunhas ocularesapresentar dessa história. Em segundo lugar na listacomo fiador de obstáculos ao pretendido do pacto acordão (no bom sentido) está a própria dinâmica conflituosa do PT, bastante responsável pelo ambiente de desentendimento geral, e aí chegamos ao terceiro ponto. À oposição, embora não interesse apostar no quanto pior melhor, tampouco interessa firmar acertos de coalizão onde o único a levar vantagem política é o governo. Argumenta-se primordialmente o seguinte: quando era uma força legitimada na ética e nos bons costumes o PT não quis conversa, apostou no confronto. Não avalizou a escolha de Tancredo Neves para presidir a transição democrática, não assinou a Constituição, não integrou a coalizão pós-impeachment de Fernando Collor, reagiu à reeleição de Fernando Henrique tentando - e depois recuando - o "fora FHC", e, ao chegar à Presidência, de pronto elegeu PFL e PSDB como inimigos centrais. Depois de desmoralizado pela era do mensalão, se nem Lula quer a companhia do PT, por que a oposição haveria de querer? Além disso, a oposição pretende, nesta ou na próxima oportunidade, voltar ao poder. Como ao PT interessa mantê-lo, está posto o antagonismo e excluída a hipótese da colaboração. De mais a mais, o público a quem Lula dirigiu sua proposta está mesmo é desconfiado de que ele esteja convidando a todos é para socializar o prejuízo futuro. Guerra e paz A idéia defendida pelo senador e candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, segundo a qual, se Lula for reeleito, não enfrentará oposição dos governadores eleitos por partidos adversários porque as necessidades administrativas vão se sobrepor às divergências políticas, não tem grande aceitação entre candidatos com chance de vitória para governos de Estados. É verdade que os governadores precisam de verbas federais, mas duvidam que Lula venha a ter dinheiro disponível para atendê-los. Portanto, o mais provável é que, se reeleito, o presidente enfrente uma tropa mais disposta à cobrança que à temperança. Paulo Betti A propósito do artigo Os bobos da Corte sobre os artistas que defendem o descaso ético para justificar o apoio a Lula, o ator Paulo Betti manda mensagem de protesto. "Em respeito a sua coluna e a seus leitores quero dizer que a senhora pegou pesado ao dizer que estou para a classe artística como os mensaleiros e sanguessugas estão para a classe política. "O que é isso? Tudo por que eu disse que ´política se faz com mãos sujas´? Sem o ´só´ que a senhora acrescentou e que muda o sentido da minha frase. "O que fiz foi uma constatação e não a defesa de uma prática. Não fui o primeiro a falar sobre o que é quase um lugar comum. Jean Paul Sartre até escreveu uma peça sobre ´as mãos sujas´ na política. Fala sobre a resistência francesa. "Realmente achei muito pesada a sua afirmação." Como reivindica Paulo Betti, retire-se o "só" e fica assim registrado seu pensamento: "Política se faz com mãos sujas." Mais pesado que a afirmação contestada.
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