Os artistas que agora levantam a bandeira do descaso à ética para justificar seu apoio à candidatura do presidente Luiz Inácio da Silva à reeleição não fazem bem a si nem ao candidato que defendem, e fazem muito mal ao País, pois emprestam sua popularidade ao mau combate.
Lançam diatribes aos políticos, associam-se às justas críticas ao Congresso, mas, tangidos pela pressa de justificar suas posições sem se dar ao trabalho de encontrar argumentos consistentes, não percebem que estão para a classe artística assim como mensaleiros e sanguessugas estão para a classe política.
O festim que reuniu nesta semana em torno do presidente Lula atores, produtores, cineastas e músicos não poderia ter resultado mais diabólico.
Um verdadeiro espetáculo de equívocos, a começar da convocação do ator José de Abreu aos presentes para uma saudação a gente denunciada pelo procurador-geral da República como integrantes de uma "organização criminosa", passando pelo lançamento do lema "política só se faz com mãos sujas", de autoria do ator Paulo Betti, tendo como ponto alto a declaração do músico Wagner Tiso de condenação aos indignados com os escândalos. "Não estou preocupado com a ética do PT, ou com qualquer tipo de ética", disse Wagner Tiso, informando ao respeitável público que só está preocupado "com o jogo do poder".
O festival de alienação, irresponsabilidade social e analfabetismo político teve sua culminância no dia seguinte, quando o produtor Luiz Carlos Barreto rasgou de vez a fantasia: "Se o fim é nobre, os fins justificam os meios", afirmou. Para ele, "inaceitável é roubar". E acrescentou: "Mensalão não é roubo, é jogo político." Ao senhor Barreto parece não ter ocorrido que o dinheiro do mensalão não brotou em árvores; saiu de empresas estatais - algumas das quais lhes financiam os filmes - ou de bolsos privados em troca dos serviços prestados por tráfico de influência no serviço público. É roubo, portanto.
E, ainda que não fosse, é corrupção, é desvio moral, é dissolução de costumes, é agressão ao preceito constitucional da probidade e da impessoalidade no serviço público, é a negação de princípios indispensáveis às sociedades democráticas e civilizadas.
Se são essas as companhias com as quais o presidente da República pretende se apresentar ao setor cultural, pobres dos artistas, pois já tiveram como porta-vozes gente de convicções mais altivas.
Artistas defensores do descaso à ética emprestam sua popularidade ao mau combate
Cabe apontar que muitos dos que estiveram com o presidente no inacreditável encontro condenaram as opiniões dos colegas. Estavam ali de maneira legítima, emprestando apoio ao candidato que consideram o mais adequado para presidir o País e com o qual têm afinidades políticas.
Um exemplo foi o ator Tonico Pereira. "Não achei legal o que eles disseram. Se você não pensar nisso (a defesa da ética como valor de conduta) como possibilidade, então é melhor desistir, eu persigo a ética na política." A convicção de Paulo Betti sobre o imperativo das mãos sujas como prática aceitável, bem como a defesa do valetudo em nome da causa nobre feita por Luiz Carlos Barreto ou a preocupação exclusiva com o "jogo do poder" manifestada por Wagner Tiso mostram total menosprezo pelos esforços de aprimoramento nos quais se engaja a verdadeira vanguarda cultural, social e política do Brasil e avalizam toda sorte de mazelas que infelicitam e atrasam o País.
Além de corroborarem a suspeita de que para certo tipo de gente ética só é boa como marketing eleitoral.
A classe artística está, agora, em situação semelhante à da banda saudável da política: obrigada a reagir se não quiser se confundir.
O problema se apresenta mais grave aos partidários de Lula que o apóiam não porque mandam às favas a moralidade, mas porque concordam com ele, consideram-no o melhor candidato, avaliam positivamente seu primeiro mandato e o vêem como capaz de fazer um bom segundo governo.
Oásis
A decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro de avançar para além da jurisprudência de aceitar todo e qualquer tipo de registro de candidatos processados antes da condenação final é sinal de que nem tudo está perdido.
Enquanto artistas - tradicionalmente um grupo de vanguarda - defendem o atraso e levantam a bandeira do menosprezo à ética, a Justiça Eleitoral vai assumindo a dianteira no processo de depuração.
Falta, no caso das impugnações de candidaturas, a confirmação pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ontem, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, já adiantou de certa forma que a tendência é o tribunal negar os recursos.
Foi ele, na verdade, a fonte de inspiração para as decisões dos juízes regionais. Em palestras feitas nos tribunais locais, o ministro Marco Aurélio transmitiu a eles a impressão de que poderiam seguir o rumo do rigor, pois suas sentenças teriam abrigo na instância superior.