Nunca esqueci uma lição aprendida do escritor e humanista argentino Ernesto Sábato. Foi durante o ato de lançamento da associação "Avós da Praça de Mayo", o grupo de senhoras que buscava recuperar os netos seqüestrados durante a ditadura militar do período 1976/83. Dizia Sábato que os adultos sempre somos culpados de algo. Mas as crianças, "que culpa podem ter as crianças?", perguntava-se. Vale para o ataque israelense que matou tantas crianças em Qana, no Líbano. Os "adultos" do Hizbollah podem ter todas as culpas do mundo, e as têm. Mas as crianças, os bebês, que culpa poderiam ter? Não há outra palavra para descrever o que aconteceu em Qana -como, antes, em outras matanças de civis inocentes- que não seja crime. Não adianta Israel usar a desculpa de que os militantes do Hizbollah se escondem entre a população civil. Por definição, grupos terroristas ou guerrilheiros vivem no meio civil, em qualquer parte. Um Estado, mais ainda o único Estado democrático do Oriente Médio, não pode se nivelar a um grupo terrorista e atuar como ele. Ao fazê-lo, borra a fronteira entre a civilização e a barbárie, o que é sempre inadmissível. Mais ainda quando o responsável é o Estado cuja tribo sofreu a mais hedionda barbárie do século 20, o Holocausto. Foi tamanha a barbárie em Qana que acabou por provocar o anúncio de 48 horas de trégua. Só mesmo uma monstruosidade como essa poderia parar a destruição, mesmo que seja temporariamente. No mundo da Guerra Fria, havia sempre o receio de reação da outra parte, amparada pela União Soviética. No novo mundo, não há reação militar à vista (exceto a do próprio Hizbollah). O horror só pára quando ultrapassa seus próprios limites. As 37 crianças foram o limite. Se nem assim parou, não há mais limites para a insanidade. |