O Estado de S. Paulo |
23/8/2006 |
Na sabatina a que se submeteu ontem, aqui na sede do jornal Estado, o candidato do PT ao governo paulista, senador Aloizio Mercadante (foto), fez três afirmações corretas que têm tudo para contrariar o PT. A primeira delas é a de que o governo Lula agiu acertadamente quando optou por uma política econômica ortodoxa, baseada na formação de superávits primários cujo objetivo é o controle sobre a dívida pública. Mercadante reconhece que, se é preciso escolher entre combater a inflação e combater o desemprego, a primeira é a opção correta não só porque beneficia maior número de pessoas, mas também porque é mais facilmente percebida até por quem está desempregado. A segunda afirmação que destoa do que diz o PT é a exaltação dos resultados dessa política econômica. Sem medo de parecer feliz, Mercadante engata a primeira marcha e logo já está na quinta: a inflação deste ano, por volta dos 3,7%, vai ser a mais baixa desde que se calcula inflação no Brasil; as exportações serão as mais altas da História e duplicaram em apenas três anos; o saldo comercial é da ordem de US$ 45 bilhões por ano; a dívida externa está sumindo; a dívida interna está controlada à altura de 50% do PIB; os juros básicos caíram aos níveis mais baixos desde que existe a política de metas no Brasil, mas vão cair ainda mais; o desemprego está cada vez mais baixo; há reconhecido crescimento do emprego formal; o avanço do PIB está mais sólido... e por aí vai. E, finalmente, Mercadante esbanja elogios à pujança do agronegócio paulista: à citricultura, à cultura da cana-de-açúcar, à sojicultura, contra as posições do MST, tão arraigadas entre os militantes do PT, para os quais tudo isso é busca da ganância e não passa de jogo das multinacionais e do neoliberalismo mundial unificados pelo Consenso de Washington. Enfim, é um discurso com o qual ninguém dentro do PT consegue se identificar. Para seus dirigentes, como Ricardo Berzoini e Marco Aurélio Garcia, está tudo errado na política econômica do governo Lula, é preciso mudar urgentemente, dar ênfase ao crescimento do emprego, mesmo à custa de mais inflação. Para eles, o Banco Central não pode ficar tão solto como está e tão obcecado com a derrubada da inflação. Precisa comprometer-se com o aumento do emprego. Enfim, não vai ser fácil encontrar dentro do PT quem defenda a política econômica do governo Lula como está fazendo o empolgado Mercadante. Ele reconhece a existência de divergências entre o presidente Lula e seu partido, mas entende que Lula está correto e que não há nada de substancial a mudar na política econômica. "Tanto não há o que mudar que não há nenhum debate relevante sobre esse assunto nesta campanha." Mas, se é sincera, essa profissão de fé é um caso de conversão recente. Apesar da maciça aprovação popular, Mercadante foi um dos que atacaram o Plano Real em 1994 e o consideraram estelionato eleitoral. Também repeliu a ortodoxia que entendia como comandada pelo então ministro Antonio Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. E até recentemente defendia a primazia da criação de empregos sobre a obtenção da estabilidade. Dessa política continua discordando mais da metade do atual ministério, desde a ministra da Casa Civil até a ministra do Meio Ambiente, passando pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, e pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que nunca esconderam frontais divergências com tudo o que está aí e apenas se mantêm calados agora porque não podem mais ignorar seu sucesso. De todo modo, o discurso que batia na falta de um projeto de desenvolvimento; que pedia políticas ativas baseadas na formação de câmaras setoriais; que enfatizava "os juros insuportáveis que só beneficiam banqueiros e rentistas"; que exigia a desvalorização imediata do real para não quebrar a indústria e para dar mais ênfase ao desenvolvimento do mercado interno - esse discurso aí, velho de guerra, sumiu da campanha eleitoral do PT. É curiosa essa eterna ambigüidade dentro do PT, para o qual um programa de governo pode não servir para figurar nas diretrizes partidárias, mas serve para ganhar eleições. |