sexta-feira, agosto 25, 2006

Celso Ming - Histeria lá fora



O Estado de S. Paulo
25/8/2006

Omercado financeiro internacional parece atarantado e se comporta como velho ciclotímico. Já não sabe do que deve ter medo. Se chove, teme as inundações; se faz sol, teme a seca; se venta, teme que se transforme em tempestade; se anoitece, teme as assombrações.
Há poucas semanas, o tom geral era o de que o consumo americano passava do limite e que o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, era frouxo com a inflação. Por isso, o mercado bateu nas ações e nos títulos dos países emergentes, porque perspectiva de alta nos juros implica corrida para aplicações mais seguras. Mas o mercado ficou momentaneamente aliviado quando, no dia 8, os juros básicos permaneceram no patamar atual de 5,25% ao ano.
Logo em seguida, passou a temer que o Fed já tivesse ido longe demais no arrocho monetário e que o risco, então, era o de que a economia americana fosse atirada a uma forte recessão. Essa cisma se intensificou anteontem quando as estatísticas mostraram que, em julho, as vendas de residências usadas caíram 4,1% em relação às do mês anterior que, por sua vez, já tinham mostrado queda de 1,3%. Apressados, os analistas logo projetaram um despencamento de mais de 11% nas vendas habitacionais e foram além: profetizaram o desastre iminente, o tal
hard landing da economia americana, tão temido.
Se for isso, o Fed exagerou no sufoco. Embora o objeto do medo fosse oposto ao anterior, o mercado saiu batendo do mesmo jeito nas ações e títulos dos países emergentes, porque recessão é sinônimo de paradeira, desemprego e queda dos lucros.
Mas ontem, o mesmo mercado pareceu mais aliviado, sentindo que, se alguém exagerou, foram os próprios analistas e os administradores de carteiras. É da natureza do mercado financeiro que os agentes ajam com histeria, o que imprime alta volatilidade ao comportamento dos ativos. Mas, agora, esse traço parece fora de propósito.
Nesse clima de alta instabilidade, não está descartada nas praças internacionais a ocorrência de uma corrida ainda mais forte em direção às aplicações de segurança. Enquanto os nervos continuarem à flor da pele e o resto do mercado se mantiver com o dedo no gatilho, um tiroteio sempre pode acontecer, mesmo sem motivo aparente. A novidade é que, desta vez, a economia brasileira parece mais preparada para essas horas. Como já não há dívida externa do setor público, não há calote a temer. E isso significa que não há mais razão para uma fuga de dólares do País. Este é um ambiente diferente do que prevaleceu há apenas quatro anos, quando o então candidato Lula se preparava para ganhar as eleições.

Por falar em Lula, três observações sobre o discurso que pro Como já não há dívida externa, não há calote a temer do Brasil


nunciou ontem na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
(1) Abertura econômica - "Assim como temos que saber vender, temos que saber comprar (...) porque relação comercial é uma via de duas mãos" - disse o presidente Lula. "Uma maior abertura faz bem ao País e melhora nossa competitividade, mas não deixaremos de tomar medidas que protejam nossa produção da concorrência desleal, do contrabando, das práticas de dumping e de subsídios que anulam a concorrência." Enfim, o governo federal parece preparar corações e mentes para nova rodada de abertura comercial, sem o quê não haverá equilíbrio no câmbio. A conferir.
(2) Estabilidade - "Meu compromisso com a inflação baixa é definitivo, eu vou repetir, o meu compromisso com a inflação baixa é definitivo." Este é um recado para os empresários e para os dirigentes do PT, para os quais a política antiinflacionária do Banco Central se tornou uma obsessão inaceitável. A reafirmação do agora candidato Lula indica que continuam de pé os compromissos assumidos em 2002, na Carta ao Povo Brasileiro.
(3) Lucros - Ao contrário do que disseram tantos observadores dentro e fora do governo, Lula não condenou o crescimento de 80% do lucro dos bancos. E pareceu entusiasmado com o lucro das 180 maiores empresas cujos lucros cresceram 366%, resultado que, observou ele, está chegando ao trabalhador: "O País está melhor porque o sistema financeiro está mais sólido, porque as indústrias estão melhorando os seus lucros e, principalmente, porque esses avanços estão chegando na casa e na mesa dos trabalhadores."