segunda-feira, agosto 28, 2006

André Petry

VEJA
André Petry
A "ética do silêncio"

"Com o silêncio apático, estamos, como
nação, nos
privando daquilo que Paul Valéry
chamou de as duas grandes invenções da
humanidade – o passado e o futuro"

É impressionante. O presidente Lula diz que não viu nada nem sabia de nada – e o tucano Geraldo Alckmin também. Em seu programa no horário eleitoral, Alckmin não mostra nada, não informa nada, não fala nada sobre o maior escândalo de corrupção que envolveu o governo do homem cujo cargo ele espera ocupar, com a descoberta dos mensaleiros. Também não mostra, não informa nem fala nada sobre o maior escândalo de corrupção que envolveu o Congresso, com o caso dos sanguessugas. Por quê? Por que tanto silêncio? Por que tanta apatia? Seu programa eleitoral mais recente exibido na televisão até tocou no assunto. Lá pelas tantas, um locutor diz: "Sanguessuga, mensalão, com Geraldo não tem disso, não". E ponto. E nada mais, nenhum diagnóstico, nenhuma reflexão. Nada.

Quer dizer que tudo o que infelicita, decepciona e enoja o país, tudo aquilo que deveria ser denunciado, cobrado e debatido com insistência e profundidade na campanha presidencial, agora serve apenas para embalar jingle? Serve apenas para fazer um chiste, um gracejo, uma rima pobre, uma reles tiradinha de marketing?

Dizia-se que o terremoto provocado pelo mensalão e suas adjacências escandalosas tinham um aspecto pedagógico e saudável, pois ajudariam o Brasil a melhorar. O país seria confrontado com suas misérias e aprenderia com seus erros. Que nada. A terra está revolta, parte de suas entranhas está exposta à luz do sol, mas a campanha eleitoral se desdobra silenciosa e indiferente, fazendo uma renúncia escancarada ao seu efeito depurador – e assim prossegue quente como se transcorresse nos fiordes noruegueses. Na esteira dessa modorra, ainda aparece um rebanho de artistas oficiais dizendo que a política é coisa suja mesmo, que a ética é coisa para ingênuos e que vale tudo se o objetivo é o poder. Se para eles a vida é assim, ela não o é para a maioria dos brasileiros.

Para Lula, o PT e os mensaleiros, essa indiferença chocante, esse mutismo assombroso é uma grande notícia. A turma fica prosa e nenhuma cobrança sequer se ouve. Não são obrigados a se explicar e ainda ganham fôlego para voltar ao discurso de que tudo não passou de uma conspiração das elites.

Para o resto todo – tucanos, verdes, pefelistas, socialistas... –, o silêncio fica parecendo conivência. Autoriza a platéia a supor que não reagem, não denunciam e não cobram porque, de fato, no escurinho do cinema, fazem a mesma coisa. Serve para jogar água no moinho dos petistas mensaleiros quando dizem que todos são iguais. Que todos são igualmente bandidos.

Com esse silêncio apático sobre o tanto que se passou, a bandalheira fica invisível. Com esse marasmo nunca rompido por um laivo sequer de legítima indignação, fica parecendo que a bandalheira é parte integrante de nossa vida. Com essa indiferença em relação ao que podemos corrigir e construir, com essa anestesia sobre as ofensas e o desrespeito, com tudo isso estamos abertamente, como nação, nos privando daquilo que o escritor e poeta Paul Valéry chamou de as duas maiores invenções da humanidade – o passado e o futuro. Para que mesmo serviriam as eleições de outubro?