sábado, julho 22, 2006

VEJA O Leão também saiu à caça


Inquérito de 1 009 páginas sobre
o Paloccigate a que VEJA teve acesso
mostra que até a Receita foi acionada


Julia Duailibi

Joedson Alves/AE
Roosewelt Pinheiro/ABR
Rachid, chefe da Receita, e o caseiro Francenildo Costa (à dir.): bilhete

A operação para violar o sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa, o caseiro que desmascarou o então ministro Antonio Palocci, foi resultado de uma ampla ação de governo – e chegou a envolver até mesmo a Receita Federal, que detém um dos mais valiosos (e secretos) bancos de dados do país. Já se sabia que a perseguição ao caseiro envolvera Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal na época. Mattoso ordenou uma devassa na conta do caseiro, mandou imprimir um extrato bancário e entregou-o nas mãos do ministro Palocci – e os dados, mostrando uma movimentação de 40 199,44 reais, acabaram aparecendo nas páginas da revista Época. Ficou evidente, desde o primeiro momento, que o governo, numa operação clandestina e ilegal, levantou e vazou dados bancários do caseiro com a intenção de desmoralizá-lo e, assim, reduzir o impacto devastador de suas declarações contra o ministro Palocci. Agora, nas 1 009 páginas do inquérito sobre o caso, às quais VEJA teve acesso, está minuciosamente detalhada a movimentação de seis funcionários da Receita Federal para perseguir o caseiro, a começar pelo chefe do órgão, Jorge Rachid.

Pedro Armestre/AFP
Palocci: na clandestinidade, subalternos prestativos

Duas reportagens de VEJA publicadas em abril já haviam revelado a participação da Receita na operação "Desmoraliza Caseiro". Sucederam-se desmentidos aos quais os jornalistas crédulos rapidamente aquiesceram. Agora o inquérito confirma tudo o que VEJA publicou e ainda acrescenta detalhes da bisbilhotagem na Receita Federal para pegar o caseiro. Quando Jorge Mattoso ordenava que quebrassem o sigilo bancário de Francenildo, Jorge Rachid também determinava a seus funcionários que fossem atrás de dados do caseiro – e ambos estavam sob o comando do ministro Palocci. Lendo-se os depoimentos, tem-se a impressão de que se estabeleceu uma disputa para ver quem ajudaria mais o chefe. Na Receita, segundo o inquérito, deu-se a seguinte cronologia:

15 de março, quarta-feira – Como o caseiro dera entrevista no dia anterior acusando Palocci de ir à mansão na qual o ministro jurava nunca ter ido, começou a perseguição. Nesse dia, o coordenador-geral de fiscalização, Marcelo Fisch, pediu ao seu substituto, Flávio Martins Araújo, que descobrisse o CPF, o endereço residencial e a data de nascimento do caseiro. Flávio Martins Araújo encomendou a tarefa a um subalterno, que, por sua vez, acionou um técnico chamado Nilton César Cruvinel.

Manhã de16 de março, quinta-feira – Enquanto o caseiro se preparava para depor na CPI, à qual reafirmaria suas acusações contra Palocci, o técnico Nilton Cruvinel trabalhava. Às 9h09, descobriu o número do CPF. "Não tinha conhecimento de que eram dados do caseiro", disse ele, ao depor à polícia. Com o CPF em mãos, o coordenador-geral substituto Flávio Martins Araújo faz uma consulta mais ampla. Às 9h35, acessa o chamado "dossiê integrado" do caseiro. Nesse arquivo, pode-se descobrir quanto o contribuinte pagou de CPMF e o nome do banco que recolheu o tributo. Ele anota as informações e as repassa – "verbalmente" – para o chefe, Marcelo Fisch.

Tarde de 16 de março – Marcelo Fisch encontra-se com o secretário Jorge Rachid e, durante uma "conversa rotineira", conforme o próprio Rachid disse à polícia, eles falam das "recentes notícias em jornais" – e, ao final, Fisch dá a Rachid o número do CPF do caseiro.

Noite de 16 de março – Jorge Rachid, desconfiado de que o CPF pudesse pertencer a um homônimo do caseiro, manda checar as informações. Num bilhete deixado sobre a mesa de seu chefe-de-gabinete, Jânio Castanheira, pede que seja feita uma nova pesquisa no número e no nome.

17 de março, sexta-feira – Logo pela manhã, Jânio Castanheira cumpre a ordem deixada pelo chefe no bilhete e aciona uma servidora, Cássia Aparecida Mingorance. Ela rapidamente refaz a pesquisa e amplia as descobertas. Por telefone, repassa tudo para Castanheira: nome completo do caseiro, nome da mãe, data de nascimento, número do título de eleitor, endereço e até telefone. No início da noite, os dados do extrato bancário do caseiro – dele mesmo, e não de um homônimo – apareciam no site da revista Época.