O 11 de setembro mudou a vida do economista e professor Albert Fishlow. Diante da possibilidade real de ter morrido no ataque ao World Trade Center, resolveu fazer imediatamente o que vinha adiando. Trocou o Conselho de Relações Exteriores pela Universidade de Columbia porque queria voltar a dar aula e, no fim de 2005, começou a escrever um livro sobre o Brasil, país que estuda desde 1965. Ficou um semestre longe da direção do Centro de Estudos Brasileiros, escreveu cem páginas, está planejando terminar mais 200 nos próximos meses e lançar o livro até dezembro. Nesta entrevista, antecipa suas reflexões sobre os impasses vividos pelo Brasil após a volta à democracia.
Depois de tantos anos pensando o Brasil, o que o senhor tem de novo a dizer no livro que está escrevendo? ALBERT FISHLOW: O livro é uma tentativa de entender a volta do Brasil à democracia. Voltei à Constituição de 88 porque, apesar das quase 50 emendas, é bem interessante ver as esperanças novas que o país tinha depois de 20 anos do governo militar e entender que muitos daqueles sonhos não foram possíveis concretizar a curto prazo. O direito à saúde, à educação, à previdência social, garantido na Constituição, é quase uma utopia. O outro lado da realidade do Brasil foi ignorado: a inflação crescente, grandes dificuldades de comércio exterior, muitos partidos e a necessidade de o governo criar maioria, a reforma política que não sai.
O senhor disse que o Brasil resolveu melhor a economia do que a questão política... FISHLOW: O Brasil está precisando de um Plano Real para a política. Uma coisa é conseguir a volta da democracia, outra é a democracia permitir que os problemas do país sejam tratados de maneira contínua. Quase todas as reformas necessárias precisam de uma mudança constitucional e a maneira de os governos enfrentarem a falta de maioria no Congresso acaba sendo a corrupção. Como vimos no escândalo da Comissão de Orçamento em 1994 e 1995, como aconteceu outra vez neste governo. O sistema cria essa necessidade.
Como seria o Plano Real político? FISHLOW: A limitação do número de partidos, cláusula de barreira para os partidos, reconstruir os partidos de maneira a dar maioria no Congresso aos governos. Um exemplo de como o governo não conta com o Congresso são as medidas provisórias (MPs): o governo Fernando Henrique usou cerca de 6 mil MPs. Acontece com a reforma política o mesmo que acontecia com a inflação: os governos dizem que vão fazer e não fazem. FH no primeiro mandato estava voltado para o combate à inflação e no segundo, para a desvalorização cambial. Este governo teve um problema sério, que foi a falta de experiência para administrar e o PT tentando, pela primeira vez, manejar o Congresso com apenas 25% dos votos. Se não me engano, 200 pessoas mudaram de partido durante os quatro anos de Lula. Faz parte da democracia poder votar num partido e saber como ele se comportará.
O senhor disse que o governo Lula vai acabar entrando para a História como um dos que menos mudanças conseguiu fazer. Foi vítima da falta de reforma política? FISHLOW: Foi um governo novo, com gente sem experiência. Havia uma confusão ideológica dentro do governo, gente dentro do governo querendo fazer grandes mudanças e poucas pessoas pensando numa evolução contínua dentro do Brasil. O fato é que não se consegue pensar o país e a economia daqui a cinco ou seis anos. Se não se resolver a questão política, não se conseguirá um caminho contínuo para o desenvolvimento, a aprovação contínua de medidas necessárias para o país crescer. O Brasil não poderá crescer acima de 3,5% ou 4% sem ter uma taxa de investimento da ordem de 25%. O fato é que não se vem tratando disso como um elemento fundamental do futuro do país.
Como ter dinheiro para investir mais no país e a economia brasileira crescer a taxas mais altas? FISHLOW: Este é o outro lado do meu livro: por que o Brasil não encontrou o caminho de um forte crescimento apesar do fim da inflação? Não cresce principalmente por causa do nível de imposto, que aumentou de 24% para 38% entre 1994 e 2005. Embora todo mundo esteja focalizado na taxa de juros, é na redução dos impostos que se deveria prestar mais atenção. Para ter taxas maiores de investimento é preciso reduzir o consumo do governo, manter o superávit em 4,25%, aumentar o investimento público e reduzir os impostos. Eu colocaria isso como o problema principal dos anos futuros e vejo pouca discussão sobre isso. O Brasil tem hoje impostos da ordem de 38%, tem impostos em cascata...
A dívida e a necessidade de fazer superávit não impedem o crescimento? FISHLOW: Com a redução da taxa de juros, a dívida perde importância. O Brasil paga cerca de 7% do PIB de juros, mas com a redução das taxas isso pode ser reduzido para 4%, e o país tem mais 3% da renda nacional para investir. A redução do imposto é fundamental.
Que futuro o senhor vê para o Brasil? A China e a Índia crescem no cenário internacional e o Brasil não. FISHLOW: O Brasil tem de concorrer com eficiência maior. A lógica não é exportar, é produzir com custos menores. Isto implica utilizar tecnologia disponível, produzir com uma eficiência maior e, para isso, você importa para exportar depois o produto competitivo. Deve continuar investindo na exportação de produtos industriais. Mas para onde vão esses produtos? Para os Estados Unidos, o mercado mais importante e mais aberto para a exportação brasileira.
Mas os EUA estão muito pouco abertos a negociações e muito pouco interessados na América Latina. FISHLOW: Acho que o Brasil poderia negociar direto com os EUA como fez o Chile. Mesmo as discussões com a União Européia foram abandonadas. O governo Lula apostou no Mercosul e na Rodada de Doha. Pensava que precisava da cadeira no Conselho de Segurança da ONU e havia a expectativa de criar um grupo sul-americano, em que seria possível agregar os países da América do Sul. Além disso investiu em relações mais próximas com os países árabes, africanos... A política externa brasileira chegou ao ponto de ter impacto negativo na economia: todo ano tem o Brasil lutando com a Argentina por causa das vendas de açúcar, automóveis etc. Aceitou-se a entrada da Venezuela no Mercosul, o que alterou a liderança do Brasil dentro do bloco. Hoje em dia, ajudado pelo preço do petróleo, Hugo Chávez (presidente da Venezuela) tem mais influência internacional — de certa maneira, Chávez ajudou Evo Morales (presidente da Bolívia) a expropriar a Petrobras. Não vejo a política externa brasileira dando apoio à posição econômica. Uma boa parte do interesse dos países com renda menor é utilizar o poder internacional não é em si, mas para aumentar a renda econômica e conseguir taxas de crescimento econômico mais altas. Eu vejo o Brasil tentando ter maior importância só porque tem população grande e território maior. Representa o mundo que o general Golbery queria estabelecer, mas pelo menos, na época, tinha um crescimento de 10%.
O mais complicado de tudo é a desigualdade, não? FISHLOW:Este é o quarto ponto do meu livro: a distribuição da renda não melhorou desde que eu comecei a escrever sobre o Brasil, em 1972. É um problema que precisa de uma geração e só se olha para um horizonte de dois anos por causa das eleições. O Banco Mundial calcula que um aluno da universidade pública custa US$ 15 mil por ano, enquanto num estudante de primeiro grau é investido menos de US$ 1.000. Esta desproporção já mostra a necessidade de mudança e acordo com o Congresso para dar uma maior ajuda ao primeiro grau. Não defendo a privatização da universidade, não. Ensinei anos na Universidade da Califórnia, que é pública, mas só 20% do dinheiro vêm do Estado — 80% vêm de outras fontes, inclusive a contribuição dos alunos, de US$ 8 mil ao ano. Acho que os programas sociais, que dão dinheiro para os mais pobres, ajudam o processo da educação, o que é positivo.
Todas as pesquisas mostram vitória de Lula. Como será um segundo mandato Lula? FISHLOW: O melhor cenário é que ele consiga maioria fidedigna no Congresso. Se não tiver, teremos o cenário pior: uma continuação da situação atual, com juros menores, economia não crescendo o suficiente para reduzir impostos nem para melhorar a situação dos pobres, e o país não conseguindo ter a liderança internacional que pretendia nem a política internacional. |