quarta-feira, julho 05, 2006

Míriam Leitão - Drama mexicano

Panorama Econômico
O Globo
5/7/2006

O México entrou num perigoso momento de sua vida institucional. Os
analistas acham que a melhor hipótese é um resultado no fim desta
semana, mas há o risco de só sair no dia 6 de setembro. Como o
processo eleitoral mexicano foi montado sobre a desconfiança de
fraude, há uma série de etapas nessa contagem de votos. Hoje começa a
segunda etapa da contagem.

O que houve na segunda-feira é o que eles chamam de resultado
preliminar. O Instituto Federal Eleitoral recebeu por internet as
informações dos distritos eleitorais, as atas, e as contabilizou. Com
98% dessas atas contabilizadas, deu aquele resultado apertadíssimo,
com menos de um ponto percentual, 400 mil votos, a favor do candidato
do governo Felipe Calderón.

Hoje, às oito da manhã, hora do México, começa a segunda etapa do
processo de contagem de votos. Em todas as sedes dos distritos
eleitorais, representantes dos partidos e funcionários eleitorais
estarão conferindo os votos. Os funcionários têm que ler em voz alta
e os representantes dos partidos, com a cópia das atas nas mãos,
dirão se aceitam ou não. Esse trabalho não pode ser interrompido. Na
melhor das hipóteses, acaba na sexta-feira.

Naquela primeira etapa, todas as atas — ou seja: relatórios das
seções eleitorais — que tinham algum problema foram separadas. Por
exemplo: um candidato que não teve votos, o funcionário pode ter
deixado em branco em vez de escrever zero. Por isso, o resultado é
considerado “inconsistente”. Com a concordância dos partidos, que por
lei têm que estar presentes em cada etapa desse processo de contagem,
essas atas são separadas.

O candidato que teria ficado em segundo lugar, López Obrador, afirmou
que três milhões de votos tinham sumido e o presidente do IFE disse
que ele sabe muito bem que não sumiram: foram postas de lado por
inconsistência atas que representam 2,6 milhões de votos e com a
concordância do partido de Obrador. Os votos das urnas com problemas
serão contados nesta segunda etapa do processo, que começa hoje.

Ao final, o Tribunal Eleitoral Federal dirá o resultado, mas os
candidatos podem contestar. Terão, então, que pedir a impugnação de
atas específicas, mostrando os problemas. Esse processo levará a novo
período de conferência de votos e o prazo final para proclamar o
resultado é o dia 6 de setembro. Porém, conseguir a anulação de fato
da eleição é quase impossível, explicam os especialistas mexicanos.

Entrevistas que nós da coluna fizemos com especialistas mexicanos
(tanto Débora, quanto eu, temos falado com especialistas e visitado
vários sites nos últimos dias) mostram que o país nem de longe é o
que foi antigamente. O México amadureceu, as instituições se
aperfeiçoaram e, para fraudar uma eleição, é muito difícil. Para se
ter uma idéia, todo o processo é monitorado pelas principais
universidades do país.

Esta verdadeira corrida de obstáculos parece meio primitiva, mas é a
forma de o sistema se garantir contra os erros do passado. O que
houve é que López Obrador e seus militantes e partidários jamais
imaginaram que perderiam as eleições e estão reagindo fortemente. De
fato, a diferença é apertada demais para uma eleição presidencial.

Um dos cientistas políticos com quem a Débora conversou, Antonio
Ortiz Mena, está, como todos, bastante preocupado com o impasse de
agora, mas acha que tem um lado bom:

— Acho que isso de recontar os votos, neste e no próximo mês, pode
ter apenas um lado bom, que é o fato de que, se confirmarem o
ganhador, o perdedor não vai poder dizer que houve fraude; vai acabar
com todas as dúvidas. De qualquer forma, esta instabilidade tem um
custo imediato enorme. Acredito que tudo vá terminar bem, mas teremos
um período sério de turbulência até se definir o resultado das
eleições — diz.

Este era o cenário mais temido pelos politólogos mexicanos, como
dissemos aqui antes das eleições: de o perdedor não aceitar o
resultado. Criou-se um momento de impasse institucional preocupante.
Mas, em algum momento, ao final de uma ou duas recontagens, haverá um
vencedor. O problema é o dia seguinte da posse do novo presidente.

O eleito terá que governar tendo um terço da Câmara dos Deputados e
um terço do Senado. Só governará se tiver apoio de uma das duas
outras forças. Ou seja, o PRI — que por tanto tempo governou o
México, do qual o país tentou se livrar e que é o único partido a
reconhecer que perdeu esta eleição — será o fiel da balança. O novo
governo só fará as reformas, ou aprovará as leis que quer, se o PRI o
apoiar.

O México está enfrentando momentos de tensão nesta primeira fase pós-
eleitoral e depois terá impasses legislativos que exigirão do
vencedor capacidade de negociação. Na Bolívia, será parecido: o
presidente Evo Morales ficou com 53% dos votos da assembléia que vai
reformar a Constituição, mas precisa de dois terços dos votos para
aprovar as novas leis. O eleitor latino-americano tem preferido
entregar o poder aos seus eleitos, montando travas de segurança para
que eles não tenham poder demais.