O Globo
5/7/2006
Continuando o debate sobre a qualidade da educação no país iniciado
na coluna de ontem, Jorge Werthein, ex-representante da Unesco no
Brasil e atual assessor especial do secretário- geral da Organização
dos Estados Ibero-Americanos (OEI), um especialista no assunto, chama
a atenção para a concentração do tema no governo federal, “como se
ele fosse o único totalmente responsável”. Não entra nunca no foco o
papel dos governos estaduais e municipais, reclama Werthein, para
quem “é muito difícil encontrar entre os 27 governadores quem
priorize a educação. São eles, e os prefeitos, os responsáveis pela
educação básica. É importante, sobretudo neste momento em que também
há campanha eleitoral para os governadores dos estados, que se
levante a responsabilidade deles nesse processo”.
Werthein chama a atenção para o fato de que “a desigualdade continua
sendo brutal, e não se faz absolutamente nada para que a disparidade
entre Nordeste e Norte e o resto do país diminua na educação”. Ele
lamenta que a educação sirva para reproduzir desigualdades já
existentes, e, “se não conseguirmos modificar isso, os indicadores
mundiais, da OCDE, do IDH, sempre vai ficar muito baixos
comparativamente a outros países, porque o peso da educação de baixa
qualidade no Nordeste puxa a média brasileira para baixo com muita
força”.
Werthein lembra que, “para termos democracia, temos que ter educação
de qualidade para todos. Não damos acesso ao conhecimento à maioria
da população, e enquanto não houver o entendimento de que sem
distribuir educação e conhecimento igualmente, o país nunca será uma
potência, nunca será uma democracia verdadeira, não vamos avançar”.
Ele cita a situação do Nordeste, que tem “as piores escolas, as mais
pobres, atendidas pelos professores mais despreparados, e essa
situação de desigualdade se reproduz nas escolas, porque não se
consegue modificá-la. Os melhores professores não são estimulados a
irem para lá, e os professores de lá não são treinados, e ficamos
nesse ciclo vicioso”.
Na discussão sobre quem fez mais na educação, se o governo Lula ou o
de Fernando Henrique Cardoso, que vai ser um dos pontos cruciais da
campanha eleitoral, há também números desencontrados sobre
treinamento de professores. O ministro da Educação, Fernando Haddad,
diz que cem mil professores de 1 a 4 séries estão sendo capacitados
pelo programa Pró-Letramento, “justamente para combater a repetência”.
Já o ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza comenta que
“alguns dos programas vinculados à melhoria da qualidade foram
abandonados pelo PT, e nenhum programa novo foi implementado”,
citando o programa Leitura em Minha Casa, no qual foram distribuídos
80 milhões de livros de leitura para os alunos de 4 e 5 séries; o
Programa Parâmetros em Ação, no qual mais de 600 mil professores eram
treinados no uso dos Parâmetros Curriculares Nacionais; e a exigência
de formação superior para professores de educação infantil e 1 a 4
séries, que segundo ele foi relaxada por parecer do CNE homologado
pelo ministro em 2003. “Os 100 mil professores capacitados no Pro-
Letramento se comparam desfavoravelmente com os 600 mil do Programa
Parâmetros em Ação”, comenta.
O ministro Fernando Haddad destaca a atuação do programa Brasil
Alfabetizado, que, segundo ele, já beneficiou 5 milhões de
brasileiros, e este ano vai beneficiar mais 2 milhões. Mas Paulo
Renato contesta: “Essas cifras correspondem ao que se supõe terem
sido os beneficiados nos convênios assinados pelo MEC com diversos
tipos de entidades (inclusive MST e MLST). Não existe qualquer
comprovação de que esses convênios tenham atingido os seus objetivos.
No nosso governo, o Programa Alfabetização Solidária alfabetizou
efetivamente 2 milhões de jovens e adultos, e o programa foi sempre
auditado por empresas internacionais de auditoria”.
Segundo Haddad, outro campo em que o governo Lula tem melhores
resultados é o da produção científica brasileira, que na pós-
graduação “respondia por 1,5% da produção mundial, e hoje responde
por 1,8%, formando dez mil doutores por ano, contra sete mil em
2002”. Paulo Renato diz que a produção científica brasileira e o
aumento do número de doutores é um processo que se iniciou justamente
em 1995:
“Esse é um dos casos emblemáticos dessa desfaçatez petista de
apropriar-se da criação do mundo, tal como ocorre na auto-suficiência
do petróleo. Um programa de doutorado para um aluno dura de quatro a
cinco anos; para montá-lo toma outros tantos da instituição. É
realmente fantástico e espantoso que um governo que dura três anos e
pouco queira se apropriar de realizações nessa área”.
Na produção científica vale o mesmo raciocínio para o ex-ministro:
“Em 1995 representávamos 0,81% da produção mundial, em 2002 era 1,5%
e, segundo ele, hoje chega a 1,8%. Aqui tiveram impacto muito
positivo os fundos setoriais de apoio à pesquisa criados no governo
FHC e a ação da Fapesp de São Paulo, revitalizada durante os governos
Covas e Alckmin”.
O ministro Fernando Haddad ressalta que programas como o Pró-Uni,
Livro Didático no Ensino Médio, e Merenda Escolar na educação
infantil, “não existiam no passado”. O ex-ministro Paulo Renato diz
que a merenda escolar para a educação infantil já existia no governo
de FH, mas admite que “os únicos programas novos são realmente o
ProUni e o Livro no ensino médio, o que vem a ser um desdobramento do
nosso programa do Livro didático que havíamos estendido da 1 a 4
séries para a 1 a 8”. Para ele, o ProUni é “uma resposta interessante
a um ‘problema’ criado pelo governo FHC: os pobres, finalmente
começaram a bater às portas da universidade”.