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O Estado de S. Paulo |
24/7/2006 |
Não dá para entender direito as propostas de governo da senadora Heloísa Helena, candidata à Presidência da República pelo PSOL. São fruto muito mais da justificada paixão da senadora pelo Brasil e "pelo social" do que de avaliações econômico-financeiras e políticas objetivas sobre como atacar os nossos desanimadores desafios. Mas gosto da maneira como ela fala desses desafios e tenho até anotado algumas das suas frases ribombantes. Uma das mais recentes: "O meu governo não será submisso a parasitas apátridas." Palmas para a senadora. Xô, parasitas! Vade retro! Mas por que tanta preocupação apenas (ao que parece) com parasitas apátridas? E os parasitas não-apátridas? E os parasitas patriotas? Tenho minhas certezas - e a honrada senadora há de tê-las também - de que todos esses parasitas e neoparasitas que despontaram no cenário nacional nos últimos tempos, no escândalo dos bingos, dos Correios, do mensalão e, agora, naquele que está despontando até como o mais cabeludo - o das ambulâncias superfaturadas - não são nada apátridas, são, certamente, muito patriotas, põem a mão direita sobre o peito esquerdo quando ouvem o Hino Nacional, penduram bandeiras brasileiras nas suas janelas nas Copas de futebol, colam faixas "Brasil, eu te amo" nos seus carros. É verdade, sim, que há parasitas apátridas operando no mercado financeiro internacional, que não só sugam o que podem dos países ditos emergentes - cuja característica mais notória é estar eternamente emergindo - como conseguem ditar muitas das suas conveniências de usurários empedernidos aos governantes patriotas que dirigem essas emergências nacionais. Mas ninguém ainda fez a conta do saldo, do balanço exato entre quanto os parasitas apátridas - contra os quais os fiscais, a polícia e a Justiça brasileira são inermes - já impingiram de prejuízos financeiros a este país e quanto os parasitas patriotas - sobre os quais os fiscais, a polícia e a Justiça nossa têm, ou deveriam ter, poder - já nos legaram, e nos continuam legando, atrasos, carências e pobreza. O caso das ambulâncias municipais é até ilustrativo. Em cada uma das superfaturadas, o dinheiro do superfaturamento que foi para os bolsos do vendedor da ambulância, do deputado que manobrou para conseguir a verba, do prefeito, do dono da Planam, etc., poderia ter sido usado para programas de saúde locais, ou até mesmo para a compra legítima, no mercado, da ambulância que fosse necessária. E cabe a pergunta: por que um deputado é quem "arranja", na votação do orçamento, uma verba para ser entregue a uma prefeitura para que esta compre uma ambulância de determinado e "pré-arranjado" fornecedor? Por que o Ministério da Saúde não pode entregar tais verbas diretamente aos municípios, sob vigilância dos Conselhos Municipais locais? Está aí uma coisa que seria facilmente dirimível e consertável pelos senhores deputados e senadores, que fazem as leis, se todos eles se ocupassem um pouco menos com os males terríveis que o detestável imperialismo ianque e os pérfidos banqueiros internacionais causam à economia brasileira, e um pouco mais com as arapucas que propositadamente deixam abertas para que por elas se esvaia o dinheiro público. Lembro-me de um café da manhã, há muitos anos, aqui, em São Paulo, com um diretor do Banco Mundial, em que ele nos contava (éramos alguns jornalistas) em off, isto é, pedindo sigilo - para não ofender a moral das autoridades brasileiras, nem a altivez dos nossos patriotas -, que num levantamento feito pelo banco a respeito dos financiamentos de obras públicas em vários países do mundo, dos quais o banco participava, havia sido apurado que as mesmas obras públicas feitas no Brasil eram, em média, 30% mais caras. Isso vem sendo norma há muitas décadas. Os empreiteiros brasileiros justificam dizendo que nosso governo é mau pagador, por isso eles têm de inflar as propostas nas licitações, pois nunca sabem se, e quando, vão receber. Admitamos ingenuamente que assim seja e que a justificativa tenha cabimento. Mas quanto não vazou pelo ralo? Será que não seria o bastante para ter evitado a imensa dívida externa que nos atormenta até hoje e que o ministro Guido Mantega acabou de dizer que agora é menor do que o que está no cofre das reservas em divisas - embora se referindo apenas à dívida externa do governo federal, e não à do País? Sim, no ano passado inteiro o Brasil pagou R$ 157 bilhões de juros da dívida interna e externa somadas. Neste ano, nos cinco primeiros meses, pagou R$ 64 bilhões. Uma média de R$ 13,08 bilhões por mês no ano passado e de R$ 12,8 bilhões por mês neste ano. Sem dúvida, deve haver muitos e muitos parasitas apátridas e patriotas mamando nesta cornucópia. E nada podemos fazer para que deixem de mamar, por muito tempo ainda, pois dívida é para ser paga, conforme já constataram o PT e o nosso presidente, que passaram longos anos proclamando que era um absurdo pagar a dívida e sempre prometeram renegociá-la quando estivessem no poder. Mas, se há parasitas nacionais e internacionais mamando nos juros e nas prestações da dívida pública, cabe ou não cabe perguntar: quanto dessa dívida poderia não existir, não fosse a ação criminosa dos corruptos e patrióticos parasitas nacionais, ao longo de décadas, na mama desenfreada na boca dos cofres governamentais - federais, estaduais e municipais? Quantos mensaleiros e sanguessugas deste e de anteriores governos não terão contribuído para a cornucópia que hoje nos custa entre R$ 12 bilhões a R$ 13 bilhões por mês, mais da metade do que se recolhe mensalmente só de CPMF? Então, voltando à aguerrida e eloqüente senadora Heloísa Helena e aos demais candidatos à Presidência, inclusive os dois principais, que nada mais fazem do que propor generalidades e obviedades, do gênero é preciso investir na educação, é preciso cuidar da segurança, é preciso fazer creches, é preciso uma Justiça mais rápida, é preciso combater o crime, é preciso dar saúde ao povo, é preciso cuidar dos jovens, é preciso cuidar dos idosos e por aí afora. Todos nós já estamos carecas de saber de tudo o que é preciso fazer neste país. Não é necessário que os sabichões dos palanques e dos horários eleitorais das TVs nos digam o que é preciso. O que todos nós realmente precisamos saber é como, com que, por quais meios e em quanto tempo podemos fazer, realmente, o que é preciso fazer. Queremos apenas propostas que nos convençam de que podem ser executadas e podem resolver problemas. O resto é enganação, de direita ou de esquerda. |