sábado, junho 24, 2006

VEJA Entrevista: Paul Johnson


O motor do mundo

O historiador inglês defende
que a criatividade é hoje a arma
mais poderosa para o progresso
das nações

Gabriela Carelli

O inglês Paul Johnson é um dos mais produtivos historiadores da
atualidade. Em seus mais de quarenta livros publicados, já se
debruçou sobre grandes temas como a história das religiões e do
século XX. Observador arguto da cena internacional, provoca polêmica
nos artigos que escreve para as revistas Forbes e The Spectator pelo
entusiasmo com que fustiga as esquerdas com sua verve franca e
elegante. Aos 77 anos, Johnson acaba de lançar mais um livro, Os
Criadores, um mergulho na vida de dezessete personalidades criativas
da história, de Shakespeare a Walt Disney. O objetivo da obra, a
segunda de uma trilogia iniciada com Os Intelectuais, em 1988, e que
terminará com a publicação em breve de Os Heróis, é tentar entender o
que ele considera a característica mais importante do homem, a
criatividade. "Só a criatividade pode garantir o progresso. O
problema é que o homem tem uma propensão negativa a encontrar razões
científicas ou morais para frear a criatividade, seja na economia, na
política ou nas artes", diz Johnson nesta entrevista a VEJA.

Veja – O senhor escreveu que o desenvolvimento social e tecnológico
humano não avançou tanto quanto poderia por causa da eterna batalha
entre duas forças antagônicas do homem: sua criatividade e sua
capacidade de crítica e destruição. Como assim?
Johnson – Os seres humanos são naturalmente criativos. Amam criar.
Também são apaixonados pela destruição e pela crítica. Acredito que
todas as artes – sendo que considero formas de arte a política, o
desenvolvimento tecnológico, econômico e social, assim como a pintura
e a literatura – necessitam dessas duas forças antagônicas. É a tese,
a antítese e a síntese. Mas é vital que a criatividade, a tese,
supere seu adversário e vença, pois só ela pode garantir o progresso.
Não tenho dúvida de que, se houvesse apenas a criatividade, a
humanidade teria avançado muito mais rapidamente.

Veja – O senhor poderia citar exemplos de forças destrutivas que
impediram um avanço maior da nossa civilização?
Johnson – O exemplo mais primário disso é o marxismo. Marx
compreendeu mal o capitalismo, foi desonesto com as evidências e sua
contribuição para o mundo foi totalmente negativa. Graças a ele e a
outros pensadores, por mais de um século muitos países perderam a
chance de crescer economicamente. Seus povos deixaram de ter acesso à
informação e à liberdade, fundamentais para o processo criativo,
milhares de pessoas foram mortas injustamente e muito dinheiro foi
jogado fora em vez de ser usado para a melhoria da qualidade de vida.
Não há absolutamente nada a dizer em favor do marxismo.

Veja – O senhor afirma que o homem é propenso a encontrar razões
científicas ou morais para frear a criatividade. O que o leva a agir
dessa forma?
Johnson – O medo. Esse é, com certeza, o maior estimulador do atraso.
É o medo, por exemplo, que impede muitos países de usar energia
nuclear de forma consciente em substituição a outras fontes de
energia. Por causa de pretensos defensores da humanidade, impediu-se
a construção de usinas nucleares nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Se bem usada, essa energia poderia minimizar os impactos energéticos
do crescimento econômico da China e da Índia, que provocaram escassez
de petróleo.

Veja – Os chineses e os indianos são, hoje, mais criativos do que os
americanos?
Johnson – Até agora, os chineses e os indianos meramente irritaram os
americanos. Eles conseguem produzir novas idéias? Até o momento, nada
provou que eles sejam capazes de inovar. Apenas avançaram em espaços
já existentes. A China fez isso com sua indústria pesada, formada por
fábricas ultrapassadas que produzem produtos baratos para exportação
e garantem retorno rápido. A Índia, por sua vez, arranhou os Estados
Unidos com um bem-sucedido comércio intercontinental de comunicação
via call centers. Se a China e a Índia não produzirem novas idéias
além dessas, vão estagnar, como o Japão.

Veja – Qual dos dois países tem mais chance de ser bem-sucedido em
termos de crescimento?
Johnson – A Índia, porque é um país onde existe liberdade. Novas
idéias somente emergem onde as pessoas são livres para pensar. Além
disso, a Índia, apesar de ser uma sociedade de castas, tem uma elite
fluente em inglês, o que permitiu ao país pular da era industrial
para uma era de comunicação avançada. Bangalore, a capital indiana da
alta tecnologia, é uma cidade totalmente imersa no século XXI. A
Índia parece bastante atrasada devido a suas tradições, muito
preciosas, por sinal, mas está criando as bases para um futuro
formidável. O clima de liberdade privilegia o país.

Veja – Se a liberdade privilegia a Índia, como se explica o
crescimento acelerado da China?
Johnson – A China conseguiu se livrar do legado terrível do marxismo
primitivo de Mao Tsé-tung, mas não será um competidor à altura da
Índia enquanto não desmantelar por completo seu sistema comunista. O
país ainda depende do trabalho escravo, assim como de camponeses mal
remunerados recém-chegados às cidades. Não está investindo o
suficiente em alta tecnologia, a não ser a militar, erro já cometido
pelos soviéticos. A China tem de substituir sua elite comunista por
uma sociedade inovadora, com o seu próprio dinamismo de idéias, ou
entrará em colapso. Se funcionar, será a grande lição da era moderna.

Veja – Enquanto a Ásia cresce, a América Latina continua presa aos
problemas econômicos e sociais de sempre. Qual a explicação?
Johnson – O problema da América Latina está na sua origem histórica.
A forma como foi colonizada, destrutiva e negativa desde o princípio,
repercute até hoje na desorganização política, econômica e social.
Não há estabilidade, o que acaba diminuindo a liberdade. O Brasil,
por exemplo, desde o descobrimento nunca teve uma elite criativa e
pragmática comparável à geração de George Washington e Thomas
Jefferson nos Estados Unidos, gente capaz de organizar o país e
direcioná-lo. Uma solução para melhorar o que está estragado é
investir na educação. A educação permite a liberdade de idéias e o
progresso. Bons exemplos são Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura.

Veja – Como o senhor definiria um homem criativo?
Johnson – É impossível definir criatividade, assim como não se define
genialidade. O estudo dos grandes criadores revela dois fatos. O
primeiro é que ninguém cria no vácuo. Todas as civilizações evoluem
de sociedades anteriores. Também ninguém vira um grande criador por
sorte. Todo ato criativo, mesmo quando ele surge num lampejo, é fruto
de muito trabalho, estudo e conhecimento.

Veja – Quem o senhor apontaria como uma pessoa de extrema criatividade?
Johnson – William Shakespeare, sem dúvida nenhuma, é a pessoa mais
criativa da história. Esse dramaturgo inglês do século XVI alcançou o
entendimento da personalidade humana em todas as suas manifestações,
da forma como o ser humano interage em todas as situações possíveis.
Era dono de uma imaginação de altíssimo nível, bem como de uma
habilidade com as palavras até hoje nunca igualada.

Veja – Ao falar sobre o próximo livro de sua trilogia, Os Heróis, o
senhor disse que o Ocidente precisa urgentemente de pessoas com esse
perfil. Por quê?
Johnson – Os heróis inspiram, motivam e, no mínimo, legitimam uma
guerra que está sendo travada. Eles nos ajudam a distinguir o certo
do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa. Não
existe ninguém hoje no Ocidente com esse perfil. Já o Oriente Médio
tem seus heróis. Osama bin Laden, por exemplo. Por mais monstruoso
que possa ser, ele encarna a figura do herói. É líder de milhares de
muçulmanos, escapou do mais poderoso Exército do planeta e inspira
centenas de seguidores. Faz parte de um grupo que convence jovens a
se explodir por uma causa. Esses jovens, por sua vez, também se
transformam em heróis aos olhos do mundo. São pessoas que tiram a
própria vida para lutar contra os tanques israelenses. Isso faz com
que muitos observadores da guerra ao terror se sensibilizem com a
causa islâmica.

Veja – Quem o senhor citaria como herói do Ocidente?
Johnson – O último herói americano foi Ronald Reagan. Na Inglaterra,
Margaret Thatcher. Na Igreja Católica, João Paulo II. Todos foram
grandes líderes, com características de heróis. Provavelmente estarão
em meu próximo livro.

Veja – Ronald Reagan?
Johnson – Sim. Muita bobagem foi escrita sobre ele. Reagan era um
homem de pensamentos claros e determinado em seus objetivos. Tinha
poucos méritos acadêmicos, mas era um orador de primeiríssima linha.
Enfatizou a necessidade da democracia e dos direitos humanos. A
história mostra que os melhores líderes políticos são exatamente
assim. Têm poucas idéias, mas elas são muito bem executadas. Assim
foram Winston Churchill, Charles de Gaulle e Margaret Thatcher.

Veja – O presidente Bush tem chance de ser visto como um herói?
Johnson – Bush é um bom administrador, com um forte poder de decisão.
Mas tem uma imagem pública excepcionalmente ruim.

Veja – O senhor defendeu a invasão do Iraque em 2003. Os resultados
desastrosos dessa guerra o fizeram mudar de opinião?
Johnson – Não encaro os resultados como desastrosos. Ao destruírem os
regimes perversos do Afeganistão e do Iraque, prenderem seus líderes
ou transformá-los em fugitivos, os Estados Unidos estão mandando uma
mensagem importante para outros ditadores violentos e perigosos, como
o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que insiste no
enriquecimento de urânio e, além de tudo, propaga mentiras anti-semitas.

Veja – Por que o presidente iraniano parece não temer os Estados Unidos?
Johnson – O presidente iraniano tem como modelo Adolf Hitler. O que
aconteceu com Hitler? O perigo do avanço em programas nucleares e na
produção de armas de destruição em massa em países do Oriente Médio
existe e precisa ser combatido pelos americanos. Só os Estados Unidos
podem conter o Irã, talvez com alguma ajuda da Inglaterra, caso Tony
Blair permaneça como primeiro-ministro. O resto da Europa é
totalmente inútil e dispensável.

Veja – A política externa dos Estados Unidos provocou o crescimento
do antiamericanismo, principalmente na Europa. Como europeu, o que o
senhor acha disso?
Johnson – Justamente por ser europeu, posso afirmar que o
antiamericanismo na Europa meramente reflete a frustração e a
fraqueza européias. A inveja da América tornou-se um aspecto
importante da política externa européia, principalmente na França e
na Alemanha. Os franceses acreditam que são uma nação culturalmente
superior e que os Estados Unidos querem se impor na Europa. Acreditam
que Bush e os americanos são ignorantes. A história mostra que não é
assim. Os americanos são bons políticos e geopolíticos. A
Constituição americana tem 200 anos. Nesse tempo, a França teve mais
de uma dezena de Constituições, passou por monarquias, impérios e
repúblicas. Não há dúvidas de que existe inveja de um lado do
Atlântico, mas também existe o perigo de arrogância do outro. Essa
inveja também tem fundamento na falência européia. A Europa vem
apresentando um péssimo desempenho desde os anos 60 por causa do
crescimento da burocracia, com altas taxas de desemprego e estagnação
econômica. Os Estados Unidos, ao contrário, cresceram nos últimos 25
anos e continuam a crescer.

Veja – Não é natural que a opinião pública mundial se escandalize ao
saber de abusos cometidos por militares em prisões no Iraque ou das
condições extremas em que vivem os detidos na base de Guantánamo?
Johnson – Os Estados Unidos encabeçam uma guerra internacional contra
a violência. Acabarão por vencê-la. A prisão de Guantánamo foi criada
com base numa interpretação sem precedentes da lei militar por causa
de uma ameaça sem precedentes. Apesar das críticas, o sistema de
justiça de Guantánamo tem sido uma forma de dissuadir jovens
muçulmanos que estavam decididos a tomar partido nessa guerra. Esses
jovens não temem nem o martírio nem a morte, mas eles temem ficar
trancados nessa prisão.

Veja – Em um artigo, o senhor escreveu que o homem tem uma capacidade
enorme de arrumar problemas que inundam o mundo de ansiedade e que a
atual preocupação com o meio ambiente é um exemplo disso. O senhor
não teme o fim do mundo?
Johnson – Se eu temesse o fim do mundo, estaria me contrariando.
Seria uma prova de que não acredito na força criativa. O Homo sapiens
tem menos de 1 milhão de anos. A Revolução Industrial ocorreu há 250
anos. A bomba atômica existe há meio século. Os avanços têm
acontecido de forma muito rápida, numa velocidade inimaginável. Mais
de 100 milhões de pessoas morreram no século passado vítimas de
regimes totalitários, mas não foi por isso que as populações deixaram
de se expandir. Acreditar que o homem é incapaz de superar
obstáculos, sejam eles naturais ou não, é esquecer todo esse
progresso. A história prova o contrário: que temos habilidade e
criatividade para vencer os desafios que nos são impostos. Temos de
aproveitar as riquezas do nosso planeta e contar com a ajuda divina.

Veja – O senhor parece otimista com a realidade. Por que recorrer à
ajuda divina?
Johnson – Ela é sempre necessária. Hoje, mais do que nunca.