quinta-feira, junho 29, 2006

Míriam Leitão - A bem da verdade

Panorama Econômico
O Globo
29/6/2006

Quando começa a guerra eleitoral, a primeira vítima é a verdade. O
presidente Lula disse que foi ele quem consertou a economia. Está
tentando enganar os mal informados. O ruim do debate eleitoral é
quando ele vira uma coleção de meias verdades, mas fica muito pior
quando o ministro da Fazenda se envolve pessoalmente na luta para
desqualificar a oposição.

Para ser verdade o que o presidente Lula disse, era preciso, em
primeiro lugar, que a economia estivesse consertada. Muita coisa
melhorou em governos anteriores, muitos problemas permanecem e até se
agravaram nos últimos anos. O que o presidente se atribui é uma
ficção e ele sabe disso: o risco-país havia subido pelo fator Lula e
só caiu porque Lula abjurou tudo o que antes defendia como solução
para os problemas brasileiros.

Lula se elogia por ter pagado antecipadamente ao FMI e ao Clube de
Paris, esquecido de que ele é o mesmo que, na versão mais radical,
propunha o não-pagamento da dívida, e, na versão light , exigia uma
auditoria da dívida.

Lula só conseguiu pagar compromissos internacionais antes do
vencimento pelo trabalho de outros presidentes. Seu governo se
beneficiou, na área externa, do aumento do comércio internacional e,
na interna, do fato de as empresas brasileiras estarem preparadas
para aproveitar o novo ambiente mundial. E elas se prepararam por
causa de abertura, desestatização, estabilização e câmbio flutuante.
Políticas feitas em governos anteriores e às quais Lula fez oposição.

A maior parte do mérito do setor exportador cabe às empresas. Com
mais exportação, maior saldo e cenário externo tranqüilo foi mais
fácil ajustar contas externas. Então Lula não teve mérito algum?
Teve, principalmente pelo que não fez. Exemplo: ele disse que só
exportaria se sobrasse produto após a demanda interna atendida. Isso
exigiria controle de exportação, uma volta do Estado na economia,
mais burocracia. Ele não fez isso.

O presidente Lula faz o que quer com a realidade nos seus discursos.
Quem não notou terá oportunidade de ver nos próximos meses a
transfiguração dos fatos que Lula consegue num palanque. O problema é
o ministro da Fazenda entrar na refrega eleitoral. Guido Mantega
deveria se preservar; deixar esse tipo de trabalho para a tropa de
choque que todo presidente tem e se dedicar a defender o caixa do
Tesouro, que, em ano eleitoral, é atacado por todos os aliados.

Ministros da Fazenda não podem se portar como quadros político-
partidários em busca do resultado eleitoral. É um caminho perigoso.
Acabará aceitando políticas, propostas e projetos que ferem a
economia a médio prazo, mas ajudam o candidato-presidente no primeiro
momento.

O ex-ministro Pedro Malan defendia teses, idéias, princípios, mas
nunca candidatos. Ele disse durante toda a eleição de 2002 que os
partidos que disputavam a Presidência deveriam se comprometer com
determinados princípios como: moeda estável, metas de inflação,
câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e respeito aos contratos.
Isso ajudaria qualquer governo, mas principalmente seria bom para o
país, afirmou na época. Tanto ajudou que agora o presidente Lula está
se vangloriando do resultado.

Ontem, Mantega criticou a gestão de Geraldo Alckmin no governo de São
Paulo, dizendo que ele fez ajuste fiscal cortando gastos sociais: “Eu
até tinha desafiado ele (Alckmin) a mostrar como ia fazer esse
aumento de superávit primário, sem cortar o Bolsa Família, sem cortar
salários e sem diminuir o ajuste fiscal.” Fica-se sabendo, assim, que
Mantega não entendeu ainda que deve continuar a luta para ajustar as
contas públicas, evitar o desperdício, aumentar a eficiência do
gasto. Ele ainda acha que contas equilibradas só são possíveis com
corte de gasto social. Disse ainda que juros altos são uma herança do
governo anterior. Fica-se sabendo que ele discorda da política
monetária, apenas a tolera como “herança”. E, no fim, afirmou que o
governo tucano aumentou a dívida de 30% para 60% do PIB. Essa conta é
tão falaciosa e amadora quanto a que sustenta que o presidente Lula
pegou a dívida em R$ 700 bilhões e a elevou para R$ 1 trilhão.

O debate eleitoral é, às vezes, uma coleção de simplificações e meias
verdades. Por isso, o ministro da Fazenda deve preservar-se, se
afastando do corpo-a-corpo.

As bases derrubaram Rodrigues

O ex-ministro Roberto Rodrigues saiu porque se indispôs com sua
própria base. Quando visita sua fazenda, em Guariba (SP), ouve
crítica até dos vizinhos. Outro dia pensou em nem ir ao Agrishow,
feira de que foi um dos organizadores, pois temia ser hostilizado. No
Congresso, a bancada ruralista pressionava para ele sair do governo,
defendendo a tese de que ele “emprestava credibilidade” ao governo Lula.

No último pacote agrícola, Rodrigues já mostrava a necessidade de ter
o apoio das bases. Pediu para adiar o anúncio das medidas para
consultar agricultores. Voltou dizendo que o pacote só teria apoio se
incluísse medidas para as dívidas vencendo em 2006. Conseguiu o que
queria e elas foram prorrogadas por mais quatro anos.

Nada satisfazia, no entanto, suas insaciáveis bases. Os produtores
rurais têm enfrentado perda de receita pela queda do dólar e por
quebras de safra, principalmente no Sul do país.