terça-feira, junho 20, 2006

Merval Pereira - De Copa e eleição

Jornal O Globo

Estudo recente da consultoria americana Goldman Sachs faz uma curiosa
relação entre o crescimento econômico do Brasil e as Copas do Mundo
de futebol, chegando à conclusão de que o país cresce mais em anos de
Copa como este. Os números parecem dar razão a essa esdrúxula tese,
adotada mais de brincadeira do que com elementos comprobatórios
seguros, mas o fato é que os anos de Copa do Mundo coincidem quase
sempre com anos eleitorais no Brasil, e o economista Marcelo Néri, da
Fundação Getúlio Vargas, vê aí sim uma relação direta com o
crescimento econômico.

O ano de 1990 é bem ilustrativo, pois houve Copa, mas não eleições
nacionais. Neste caso, ironiza Néri, o desastre foi econômico,
futebolístico, mas não eleitoral. À seleção de Lazaroni de triste
memória, derrotada pela Argentina com um passe precioso de Maradona
para Caniggia, que nos eliminou nas oitavas, somou-se uma recessão
econômica.

A média de crescimento da renda per capita em anos pré-eleitorais
desde 1982 foi de 12,1%, enquanto em anos pós-eleitorais a mesma foi
de -11,9%. Pode-se dizer que tudo o que se ganha com a demagogia dos
governantes atrás de votos, se perde mais adiante com a necessidade
de contenção de gastos.

Exatamente o que acontecerá no próximo ano, quando já está
encomendado um improvável aumento da carga tributária, ou uma grande
recessão, venha o governo que vier, para equilibrar as contas
públicas que vêm sendo afrouxadas desde o ano passado.

O governo Lula vem fazendo o que os diversos governos fizeram desde a
redemocratização do país, inclusive em 1982, no período de transição
do governo Figueiredo, com a primeira eleição da qual os anistiados
participaram.

O economista Marcelo Néri cita “planos que geram custos sociais
imediatos traduzidos em desemprego mais alto ou renda mais baixa”,
como Cruzado II e o Collor, ou mudanças cambiais como a maxi de 1983
e a desvalorização do real de 1999, todos lançados logo após as
eleições.

Ao contrário, os planos que geraram crescimento econômico foram, em
geral, produzidos no período pré-eleitoral, como o Cruzado, o Verão e
o Real. Em todos os anos pré-eleitorais estudados a partir de 1982
(1982, 1986, 1989, 1998 e 2002), a renda mediana cresceu e, em
contrapartida, todos os anos pós-eleitorais (1983, 1987, 1990, 1999 e
2003) ela caiu.

“Eleição é a estação da safra de boas notícias, já o período
posterior é quando a conta começa a ser paga”, critica Néri. As três
maiores quedas de pobreza acontecidas no Brasil nos últimos 25 anos
se deram em anos eleitorais: 2002, 1994 e 1986. Essas estratégias
oportunistas mesclam desde planos econômicos heterodoxos até a
política de salário-mínimo, que interfere em várias etapas da
economia, tanto formal quanto informal, e atinge o pagamento de
pensões e aposentadorias de funcionários públicos.

Recente estudo do Ipea revelou que os aumentos reais do salário-
mínimo dados desde 1994 custaram ao país o equivalente a 12% do PIB
deste ano, fazendo com que a relação da dívida pública com o PIB
chegasse aos atuais 50%.

Como 2006 é ano de eleições (e de Copa), analisando o Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, os
primeiros meses já apontam para forte retomada da geração de emprego
formal, com 569 mil postos gerados só nos primeiros quatro meses do ano.

Se esse ritmo for mantido até o final do ano, seriam criados 1,7
milhão de empregos, diz Marcelo Néri, lembrando que emprego é a
principal preocupação do brasileiro segundo a última pesquisa do
Ibope. No caso atual, são as áreas fora das grandes regiões
metropolitanas que estão puxando a expansão trabalhista formal (63%
de crescimento contra 36% de crescimento nacional).

A utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros
objetivos político-eleitorais gera os chamados “Ciclos Políticos de
Negócios” (CPNs), cuja principal característica é a redução do
desemprego em períodos pré-eleitorais, com o objetivo de proporcionar
um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.

Marcelo Néri ressalta que “a literatura de ciclo político de negócios
explora esta relação usando o eleitor mediano que é quem decide as
eleições, como alvo-principal de estratégicas econômicas
oportunistas”. Néri adverte, porém, que após esse período de
crescimento, o período pós-sufrágio é caracterizado por inflação em
alta, cuja conseqüência é adoção de políticas macroeconômicas
contracionistas. Uma instabilidade que, para ele, além de danosa à
taxa de crescimento de longo prazo da economia, é questionável do
ponto de vista ético.