Folha de S. Paulo |
1/6/2006 |
Persistindo a alta do real e reduzido o ritmo de queda de juros, os fatores de demanda tendem a se dissolver QUANTO O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro está crescendo, tomando-se por base o 1,4% de crescimento no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior? Dependendo da fita métrica, pode estar crescendo 5,7% ao ano, ou meros 2,4%. É mais provável que esteja em 2,4%, acelerando de forma moderada. Há duas maneiras de medir o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto). Uma é no acumulado de 12 meses. Outra é dessazonalizando os dados trimestrais (isto é, tirando as influências típicas do período analisado) e, depois, anualizando-os -isto é, extrapolando o desempenho do trimestre para o ano todo. Cada um escolhe o número que mais lhe apetece. Se se fossem anualizar resultados trimestrais, no terceiro trimestre do ano passado, o PIB dessazonalizado caiu 0,8% em relação ao trimestre anterior. Anualizada, a queda seria de -3,16%. Mas o governo preferiu recorrer ao acumulado de 12 meses. Se fosse proceder da mesma forma agora, veria-se que, no acumulado de 12 meses, o PIB passou de 2,3% em 2005 para 2,4% nos 12 meses encerrados no primeiro trimestre de 2006 -uma alta irrisória. Entre os componentes de demanda, anota Rogério Mori, da Escola de Economia da FGV-SP, o consumo de famílias cresceu 0,5%, contra 1,2% no trimestre passado -portanto, demonstrando desaceleração. Houve uma melhoria no consumo do governo e na formação bruta de capital fixo, em razão da liberação de restos a pagar do Orçamento e do investimento em estradas. O setor industrial cresceu 5%, mas fortemente puxado pela extrativa mineral e construção civil. O problema básico é que, persistindo a apreciação do real e reduzido o ritmo de queda de juros, esses fatores de demanda tendem a se dissolver no horizonte do ano. E aí se entra na armadilha básica do governo. O Banco Central e o Tesouro trabalharam, em todos esses anos, com a perspectiva de uma economia internacional estável -mesmo com todos os fatores de desequilíbrio presentes no horizonte. No ano passado, o então secretário do Tesouro, Joaquim Levy, conseguiu aprovar medidas desonerando o capital estrangeiro para a aplicação em títulos públicos. Sua visão era monotônica: o investidor estrangeiro aceita taxas menores e prazos maiores mais do que os investidores nacionais. Conferiu-se um privilégio ao investidor externo, para poder esticar o prazo da dívida e reduzir os juros. Ao mesmo tempo, o BC continuou a apostar na melhoria dos tais "fundamentos", aguardando o esperado dia em que o risco Brasil cairia tanto que o dinheiro externo entraria, farto e barato, irrigando a economia. Não se levou em conta que a remuneração do investidor externo depende dos juros mas também do câmbio. Agora, ao primeiro espirro da política de juros dos EUA, os dólares saem correndo, há uma desvalorização cambial. Do lado do Tesouro, há uma recompra de títulos públicos a preços elevados e um abandono do esforço para esticar o prazo da dívida. Do lado do BC, uma redução do ritmo de queda do juro. Enquanto não se estipularem barreiras de entrada a esse capital especulativo, a roda vai continuar rodando sem sair do lugar. |