Alan Gripp
BRASÍLIA
Os números da reforma agrária no país escondem uma desafiadora
contradição: o aumento significativo dos investimentos em ações no
campo, nos últimos cinco anos, não foi capaz de reduzir a violência
dos movimentos sociais. Pelo contrário. Enquanto os gastos com a
agricultura familiar e assentamentos aumentaram mais de sete vezes,
entre 2001 e 2005, cresceram também os registros de invasões a
propriedades comandadas por grupos de sem-terra. Entre 2001 e 2003,
foram 483 ocupações. De 2004 até março deste ano, elas já somam 658.
Levantamento feito pelo site “Contas Abertas” mostra que os repasses
feitos a entidades sem fins lucrativos ligadas à reforma agrária
crescem ano a ano. Em 2005, os repasses atingiram o pico de R$ 280
milhões, mais do que o dobro repassado em 2001 e 2002 (R$ 109
milhões). Este ano, apenas com os chamados restos a pagar, herdados
de 2005, já foram desembolsados R$ 55,2 milhões. Somados todos os
investimentos na gestão de Lula, a cifra chega a R$ 549 milhões.
No ranking das dez entidades mais beneficiadas nos últimos 15 meses
está a Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara). De
ilustre desconhecida, a entidade passou à condição de investigada
pela Polícia Federal por abastecer o Movimento de Libertação dos Sem-
Terra (MLST), cujos militantes invadiram e depredaram a Câmara no
último dia 6, deixando 41 feridos.
A Anara tem entre os seus dirigentes o petista Bruno Maranhão, preso
desde que comandou a invasão ao Congresso. Este ano, a entidade
recebeu R$ 1 milhão, deixando para trás outras 251 entidades que
também receberam recursos do orçamento do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Desde 2004, o total dos repasses à Anara
chega a R$ 5,7 milhões. Diante do tratamento generoso, os
especialistas procuram entender as razões que levaram a associação a
radicalizar sua atuação.
— Os movimentos sociais estão perdidos e, desesperados, procuram
novos inimigos. Não é tão simples identificar o presidente Lula, um
líder popular, como inimigo. Elegeram o Congresso — arrisca o
professor Flávio Botelho, integrante do Núcleo de Estudos Agrários da
Universidade de Brasília (UnB).
MST: R$ 34 milhões do governo desde 2000
Apesar dos ânimos exaltados, os recursos para a reforma agrária são
hoje bem mais fartos do que há cinco anos. Em 2001, penúltimo ano do
governo Fernando Henrique Cardoso, o orçamento do Ministério do
Desenvolvimento Agrário foi de R$ 1,7 bilhão. Ano passado, penúltimo
ano do governo Lula, saltou para R$ 3,3 bilhões. Desse total, mais da
metade (R$ 1,9 bilhão) foi aplicada na rubrica inversões financeiras,
que inclui créditos para a instalação de famílias assentadas e a
obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária.
Os gastos com as entidades sem fins lucrativos também cresceram
comparativamente. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), grupo mais conhecido e responsável pelo maior número de
invasões de propriedade, também não ficou à mingua. Segundo
levantamento da CPI da Terra, recebeu desde 2000 mais de R$ 34
milhões do governo federal. Nesse mesmo período, comandou 1.267
invasões.
Para receber os recursos, o MST valeu-se de três entidades sem fins
lucrativos: a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), a
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab) e o
Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa de Reforma Agrária (Iterra).
Especialista alerta que tensão pode aumentar
O ministério não informou se continuará a repassar recursos a essas
entidades. Disse apenas que utiliza três critérios para fechar os
convênios e liberar recursos: capacidade técnica, avaliação jurídica
e fiscalização dos serviços.
Mesmo com o aumento nos gastos com a reforma agrária, especialistas
dizem que a tensão no campo pode aumentar. Botelho prevê que milhões
de trabalhadores rurais devem perder o emprego nos próximos anos com
a modernização da indústria agrícola brasileira. Por isso, afirma
Botelho, as famílias que estão sendo assentadas agora precisam ter
condições de se inserir no mercado e vender seus produtos a preços
atrativos:
— Os movimentos sociais não resolveram os seus problemas porque não
basta aumentar recursos e o número de assentamentos. É preciso fazer
com que os agricultores tenham como vender seus produtos e se inserir
no mercado, o que não é tão simples — afirma Botelho.