terça-feira, junho 20, 2006

Arnaldo Jabor -Espero estar completamente errado

Jornal O Globo

É provável que o Lula seja eleito no primeiro turno — e já surgem
sinais indicando mudanças políticas e econômicas para o ano que vem.

No primeiro mandato, dividido entre sua confusa agenda
“desenvolvimentista” e a postura macroeconômica herdada de FHC, entre
o mundo sensato de Palocci (Deus o abençoe...) e o delírio
desconstrutivo da gangue de Dirceu, o PT no governo nada fez.

No início, consultou as “bases da sociedade” em “Conselhos”
intermináveis, se perdeu em discussões ideológicas, expulsando a
“gangue dos 4” que fundou o PSOL e, depois, se gastou em mentir e
esconder sujeira debaixo do tapete. Pouca coisa saiu do papel. As
reformas que o PT impediu o FH de fazer não foram concluídas. A
Previdência continua intocada, as PPPs não saíram das gavetas, o Rio
São Francisco secou depois que aquele ecopadre fez greve de fome, a
reforma política não rolou, falaram muito em “educação”, mas tudo
ganhou zero no boletim. Os sindicatos ainda estão agarrados no
Estado, e a saúde e a segurança continuam doentes e abandonadas.

A política externa sonha com a liderança de um “terceiro mundo”
imaginário, esbarrando agora nas sacanagens do Evo Morales e no
fascismo populista de Chávez. Não houve medidas de estímulo real ao
crescimento, sobrando apenas a Bolsa-Família herdada dos tucanos,
formando legiões de pobres que vão reeleger o homem.

Agora, o PT está preparando um novo “programa” de governo, o que pode
dar esperança a muitos e calafrios em alguns. Pelos indícios, eu fico
com os calafrios.

Berzoini já adiantou que “estamos promovendo a participação ampla e
plural da sociedade na construção de um plano que projete um período
de novos avanços”. Este linguajar petista me dá medo, pois é a volta
da hipócrita “consulta a setores da sociedade”, como fizeram no
início. Esses “conselhos” disfarçam a falta de projetos concretos,
visam a adiar os problemas e a dar a impressão de “humildade
democrática”, para ocultar o tradicional autoritarismo que orientou a
quadrilha.

Acho também que, num segundo mandato, haverá uma obstinada tentativa
de desmanchar os escândalos do chamado “mensalão”, desde os dólares
na cueca até a morte de Celso Daniel e Toninho do PT, como já insinua
o Berzoini, dizendo que são “meias verdades e mentiras, sobre
supostos crimes sem comprovação...”.

Por outro lado, a oposição derrotada virá com fúria redobrada,
tentando chegar até a um impeachment. Esta guerra pode levar à
ingovernabilidade, o grande perigo, talvez amenizado apenas pela
aliança com o PMDB, que poderá “acolchoar” o embate, atenuando-o,
criando uma dissolvência oportunista desmobilizadora. Cheguei ao
ponto de desejar a salvação pelo fisiologismo, santo Deus!... Mas, se
não destruírem a economia, tudo bem, talvez seja melhor continuarmos
no medíocre “banho-maria” político de hoje.

Creio também que as chamadas “forças populares” que ocupam os 40 mil
postos no Estado aparelhado tentarão permanecer nas boquinhas,
através de providências burocráticas de legitimação, perenizando-as
nos cargos públicos.

Provavelmente, as Agências Reguladoras serão assassinadas. Os sinais
estão claros, com várias delas abandonadas, sem diretores, e notícias
de que o PMDB já quer diretorias, que o PT cederá com prazer.

O Banco Central pode perder qualquer possibilidade de autonomia, pelo
que já declaram os membros do “comitê central”. A era Meirelles-
Palocci será queimada, velho desejo de Dirceu e camaradas. Qualquer
privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, será esquecida.

Segundo o comissário Berzoini (sempre este homem fatal...), a reforma
da Previdência não é necessária, pois “exageram muito sobre sua
crise”, não havendo nenhum “rombo” no orçamento. Da reforma política
e tributária, ninguém cogita.

A Lei de Responsabilidade Fiscal será aos poucos desmoralizada por
medidas atenuantes, como já sinalizou Tarso Genro, que, a julgar por
seus ademanes conciliatórios, talvez queira ser presidente em 2010.

Os gastos públicos aumentarão e não haverá cortes, pois, como
afirmam, “as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o
funcionamento da máquina pública”, este eufemismo para o superestado
centralizador, que já perdeu prestígio em todo o mundo ocidental.
Nossa maior doença — o Estado canceroso — será ignorada e terá uma
recaída talvez fatal; mas, se voltar a inflação, tudo bem, pois,
segundo eles, isso não é um grande problema na política de
“desenvolvimento”.

Creio também que a obsessão do Controle sobre a sociedade voltará,
sobre a mídia e a cultura, como aconteceu no início do primeiro tempo.

Certas leis “chatas” serão ignoradas, como Lula já está fazendo com a
Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente,
“esquecendo-a” de propósito.

Aliás, a evidente tolerância com os ataques dos “MSTs da vida” mostra
que, além de financiá-los com mais de R$ 6 milhões num ano, este
governo quer mantê-los unidos e fiéis, como uma espécie de “guarda
pretoriana”, como a vanguarda revolucionária dos “aiatolás petistas”,
caso a crise política se agrave. Não duvidem, eles serão os peões de
Lula.

Creio que os governos estaduais da oposição serão boicotados
sistematicamente, como aconteceu em São Paulo, com o metrô e o
rodoanel, o que torna imensa a responsabilidade dos governadores como
Serra em SP e Aécio em Minas — uma resistência mínima de sensatez.
Rezemos também para que não haja uma grave crise na economia mundial,
pois poderão pipocar bravatas “antiimperialistas”, exaradas pela
política do nosso “Itamaraty revolucionário”.

Consolos? Bem... uma esperança é que o próprio Lula, que não é burro
e que já sofreu o estrago dos bolchevistas de Dirceu, perceba que tem
de ser um pouco “tucano”.

É melhor um Lula conservador e cauteloso que obediente à anomalia
populista que os ignorantes “sonhadores do absoluto” querem aprontar.

Desculpem-me, leitores, pelo “bode preto” destas previsões. Espero
estar completamente errado. Juro.