quinta-feira, junho 01, 2006

Farra fiscal



EDITORIAL
O Globo
1/6/2006

A quase cinco meses do primeiro turno e a poucas semanas do esgotamento do prazo para a aprovação de gastos que possam ter fins político-eleitorais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a distribuir aumentos de salários para o funcionalismo à base de medidas provisórias, em evidente manobra eleitoreira. Até meados do mês, deverão ser assinadas MPs para beneficiar 37 categorias de servidores — uma conta para o contribuinte no valor de algo entre R$ 3,5 bilhões e R$ 3,8 bilhões anuais. A farra fiscal teve início terça-feira, quando uma primeira MP comprometeu R$ 1,39 bilhão do Orçamento em benefício de sete categorias.

O gesto de agrado a uma das clientelas políticas do PT se soma a reajustes reais do salário-mínimo — de impacto desastroso nas finanças da Previdência — e ao aumento também acima da inflação dos benefícios dos aposentados e compõe um cenário preocupante para o quadro fiscal. A caneta do candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva imprime mais velocidade aos gastos públicos correntes, já em perigosa elevação há alguns anos, antes mesmo do atual governo.

A novidade preocupante é a competência com que este governo tem acelerado as despesas correntes, a ponto de colocar em risco a meta de 4,25% do PIB do superávit primário, essencial para que a dívida interna seja mantida sob controle. O grande superávit de abril não atenua o pessimismo, pois em boa parte o resultado se deveu a fatores circunstanciais: um deles, o recebimento pelo Tesouro de dividendos de estatais.

O curioso é que o ministro Tarso Genro acaba de propor entendimentos políticos de alto nível com a oposição para que alguns dos nós cegos da Previdência comecem a ser desatados a partir do ano que vem. O ministro, em nome do governo, demonstra ter consciência da gravidade da questão fiscal. Por que, então, o Planalto age para torná-la ainda mais grave? A não ser que haja em Brasília uma crise séria de esquizofrenia administrativa, esse aparente desencontro se deve à visão de Estado que tem o presidente e petistas em geral. Para eles, o Estado deve mesmo ser "forte " — leia-se, inchado — fonte perene de empregos para apaniguados e instrumento de políticas assistencialistas. Por essa concepção, é para manter esse tipo de Estado que a Previdência precisa ser reformada.