segunda-feira, junho 26, 2006

Dinheiro do Fundef é o maior alvo de desvios Demétrio Weber


O Globo
26/6/2006

Idealizado para garantir mais recursos para o ensino público, o
Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental) tornou-se o
alvo mais visível de desvios e corrupção na educação. Somente no ano
passado, de 51 municípios auditados pela Controladoria Geral da União
(CGU), 51% tinham problemas de desvios e evidências de fraudes com
verbas do Fundef. “Esta foi a ação do Ensino Fundamental em que a CGU
mais constatou irregularidades praticadas por gestores locais”, diz
trecho de um balanço da Controladoria Geral da União sobre a
fiscalização do fundo.

A ação dos auditores, porém, é limitada aos estados que foram
contemplados com repasses federais, pois não compete à CGU investigar
gastos de verbas estaduais e municipais. Em 2005, só quatro estados
receberam recursos da União no Fundef (Alagoas, Maranhão, Pará e
Piauí). Este ano, a previsão é que apenas Maranhão e Pará sejam
beneficiados.

Desvios de verbas da educação não são novidade no Brasil, mas
ganharam notoriedade com o Fundef. E o motivo é simples: cada
prefeitura ou governo estadual recebe o dinheiro em contas
específicas no Banco do Brasil, o que facilita a descoberta de fraudes.

— Se hoje é possível constatar os desvios, é porque a sociedade
acompanha mais de perto o uso dos recursos da educação — diz o
ministro da Educação, Fernando Haddad.

— Ao isolar o dinheiro da educação numa conta do Banco do Brasil, o
Fundef ajudou a diminuir os desvios de dinheiro — afirma o ex-
ministro Paulo Renato Souza, responsável pela criação do fundo.

Superfaturamentos e compras fictícias de empresas de fachada são
freqüentes nas licitações. Em São Francisco do Conde (BA), a CGU
constatou o desembolso de R$ 629 mil, no ano de 2001, para a
aquisição de 4,3 milhões de elásticos de amarrar dinheiro. Os
elásticos, classificados como material didático, nunca foram
entregues, segundo a controladoria. A prefeitura pagou também R$ 17,3
mil por 36 mil pincéis atômicos, embora os auditores tenham concluído
que as escolas municipais utilizassem no máximo 1.200 pincéis por ano.

O governo aposta no controle social para coibir fraudes. Para isso, a
lei prevê conselhos de acompanhamento em cada cidade, com
representantes de prefeituras, pais e professores. O problema é que
grande parte dos conselhos é controlada pelos prefeitos. Além disso,
nem todos os conselheiros entendem de contabilidade e estão aptos a
efetivamente fiscalizar a aplicação dos recursos. A tarefa compete
aos tribunais de contas dos estados e municípios. O Tribunal de
Contas da União só pode fiscalizar os estados que recebem verbas
federais.

Este mês, o MEC concluiu a redação de projeto de lei tornando
obrigatória a criação de conselhos municipais de educação, outro
colegiado encarregado de vigiar os gastos do setor. Haddad espera que
o novo cadastro de alunos, que trará o nome e a série de cada
estudante, juntamente com um sistema informatizado para registrar os
gastos com educação de todas as prefeituras, ajude a combater a
corrupção. Na proposta de criação do novo Fundeb — Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação — o governo federal quer garantir mais
independência aos conselhos de controle social, proibindo a
participação de parentes do prefeito.

Em Placas, no Pará, a prefeitura não comprovou gastos de mais de R$ 3
milhões do Fundef em 2003 e 2004. A inspeção foi realizada em
setembro do ano passado e aponta o uso de notas fiscais falsas,
compras sem licitação, e pagamentos sem a execução do serviço. A nova
administração disse que os documentos desapareceram dos arquivos na
transição de governo. Em 2003, a CGU esteve no município de Satuba
(AL), onde confirmou denúncias de superfaturamento e irregularidades
em licitações apresentadas originalmente pelo professor Paulo
Henrique Costa Bandeira. O professor foi assassinado e a Polícia
Federal indiciou um ex-prefeito como mandante do crime e outro por
envolvimento nas fraudes. No ano passado, a PF prendeu em Alagoas
oito prefeitos e quatro ex-prefeitos acusados de desviar dinheiro do
Fundef. Eles teriam desviado R$ 2 milhões.