quarta-feira, junho 21, 2006

Clóvis Rossi - A hora do vira-lata Folha de S. Paulo

21/6/2006

É tão inevitável quanto aumentar a venda de pescado na Semana Santa:
a cada quatro anos, a cada Copa, vem a onda de "ah, que overdose de
futebol", "ah, que alienação", "ah, o governo vai faturar se o Brasil
ganhar". Resmungo exagerado ou falso. Fatos: em 1994, a seleção
ganhou e o governo elegeu seu candidato. Em 98, a seleção perdeu e o
governo elegeu (reelegeu) seu candidato. Em 2002, a seleção ganhou e
o governo perdeu. Alienação, até que há, mas de quem quer, mesmo
porque perder duas horas a cada cinco dias (intervalo médio entre um
e outro jogo do Brasil) não mata ninguém. No mais, é preciso levar em
conta que o futebol é a única atividade em que o brasileiro é "world
class". A história e as estatísticas estão aí. Qual é a única "marca"
brasileira reconhecível de imediato internacionalmente? Pelé. Hoje,
Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo, mas com um empurrão marqueteiro. Fora
futebol, continuamos com o complexo de "vira-lata", como dizia Nelson
Rodrigues -e falando de futebol, antes da primeira vitória em Copa. É
o cronista que talvez mais tenha entendido a alma do brasileiro. E,
como todo vira-lata, precisamos de afagos e de carinhos dos donos (do
mundo). Os afagos só vêm mesmo a cada quatro anos, a cada Copa. É
hora, pois, de desdramatizar os excessos, é hora de relaxar e gozar.
Todo mundo, inclusive os brasileiros, já sabe que uma vitória não
transformará o país no paraíso, assim como uma derrota não será a
descida aos infernos, a não ser naquele dia, naqueles momentos. Nem
adianta procurar fórmulas bestas ou mágicas para fazer com que a
receita do futebol valha para o resto, para a política, por exemplo.
Craque, no Brasil, dá em árvore. Político, fora um ou outro, em
lugares em que a luz do Sol não penetra.