quarta-feira, junho 21, 2006

Celso Ming - Pé embaixo

O Estado de S. Paulo
21/6/2006

Enquanto a economia mundial enfrenta uma fase de incertezas, a China
segue seu curso de exuberância como se nada de ruim estivesse
acontecendo.

A economia chinesa não pára de crescer. O ritmo atual é 10,2% (dados
do primeiro trimestre) e os analistas não projetam menos do que 9,5%.
A produção industrial avança a 17,9% ao ano (dados de maio), como
aponta a Economist Intelligence Unit.

Ontem, o economista Stephen Roach, do Morgan Stanley, deixava seu
queixo cair diante das recentes estatísticas sobre investimento fixo
do dragão amarelo, que vai atingindo US$ 1,3 trilhão, mais de 50% do
PIB.

Como investimento hoje é produção amanhã, dá para imaginar o que vem
vindo aí. Só para comparar, a grande locomotiva do mundo, Estados
Unidos, não investe mais do que 17% do que produz, tanto quanto o
Brasil.

O chinês poupa algo mais do que 40% do PIB, número impressionante até
para padrões asiáticos. É como guardar 40% do salário. Os padrões
ocidentais são de que pobre vive da mão pra boca; quase não tem o que
poupar. Os chineses têm outro jeito de ver as coisas. Vivem com
salários baixos, mas conseguem poupar um bom pedaço dele. Isso não
seria possível se as empresas estatais não tivessem um peso enorme na
economia: cerca de 35%.

Por ser uma pequena fração da economia mundial (algo em torno de 5%
do PIB global em 2005), o dinamismo da economia chinesa não consegue
compensar a atual redução de marcha do mundo rico, especialmente dos
Estados Unidos e da União Européia, que devem avançar este ano não
mais que 3,4% e 2,1%, respectivamente.

Ainda assim - é novamente Stephen Roach que observa, - a China é
responsável pelo enorme crescimento da demanda de matérias-primas
estratégicas. Em 2005, por exemplo, foi responsável por 50% do
crescimento do consumo de alumínio.

As exportações de produtos manufaturados pela China em 2005 atingiram
os US$ 762 bilhões. O superávit comercial (exportações menos
importações) nos 12 meses encerrados em maio chegou a US$ 118
bilhões. Essas sobras são incorporadas às reservas que, em março,
estavam nos US$ 875,1 bilhões. Provavelmente, em setembro,
ultrapassarão o US$ 1 trilhão.

Não se conhece a composição exata dessas reservas, mas não há
especialista que não aposte que estejam concentradas em títulos do
Tesouro americano.

Não é novidade para ninguém, a acumulação dessas reservas cumpre
função estratégica. Quando compra esses títulos, a China manda de
volta para os Estados Unidos uma enorme quantidade de dólares que
ficaria zanzando pelo mercado internacional, pressionando para baixo
a cotação do dólar. Em outras palavras, juntar reservas é o modo pelo
qual a China evita a revalorização de sua própria moeda (o yuan) e
mantém competitivas em dólares suas exportações.

O preço desse jogo é mais emissão de moeda. Cada dólar que o Banco
Popular da China compra do exportador no câmbio local implica emissão
de 8 yuans, cotação atual do dólar. Apesar desse despejo de moeda
local no mercado, a inflação lá é relativamente baixa, de 1,4% em 12
meses (dado de maio).

Isso só é possível, outra vez, graças ao controle que o governo
central mantém sobre o sistema financeiro e o setor estatal. Mas a
falta de um azeitado mercado de capitais e de títulos de dívida
dificulta o enxugamento dessa liquidez. O volume de dinheiro que
compreende moeda circulante, depósitos na rede bancária e títulos
privados (o que os economistas chamam de M2) cresce a um ritmo de
19,1% ao ano, acima do que planejava o banco central, observa Roach.

Mas não há indício de que essa roda vá girar mais devagar.