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O Estado de S. Paulo |
27/6/2006 |
Ambicionar um novo ciclo duradouro de desenvolvimento está se tornando quase uma unanimidade nacional. Quase, porque ainda há tanto os que se contentam com pequenos acréscimos esporádicos no PIB quanto os que acham que se pode crescer com "um pouquinho" de inflação. Eles garantem, portanto, à ambição dos brasileiros, uma inteligência que não contradiz o grande Nelson Rodrigues. Mas uma questão que não vem sendo debatida com a devida seriedade é a da futura configuração do Estado brasileiro para suporte ao desenvolvimento. Nos últimos 20 anos, corações e mentes oscilaram, freqüentemente, entre duas posições conflitantes: de um lado, os saudosistas do Estado intervencionista - onipresente, onipotente e pesado - e, de outro, os defensores da primazia absoluta do mercado - que seria capaz de regular e mediar até mesmo os conflitos na distribuição de renda e o acesso aos bens públicos. Muitos partidários extremados do Estado forte chegaram a vislumbrar um renascimento do planejamento centralizado, no estilo stalinista, enquanto muitos aficionados do mercado sonharam com o ideal do "não Estado". Ambas as posições extremadas primavam pela falta de realismo num mundo em rápida mudança. E o mais grave é que, enquanto a sociedade e os partidos políticos não buscavam convergência para um caminho amadurecido e realista - como fez o Chile, por exemplo -, os núcleos de excelência do Estado moderno foram sendo sistematicamente desmantelados. O que, afinal, cedeu lugar ao crescimento desordenado do Estado assistencialista, perdulário e ineficaz. Por outro lado, muitas das aberturas concedidas às soluções de mercado para a provisão de serviços públicos não tiveram a contrapartida de organizações públicas modernas e independentes para regulá-las. Um caso exemplar é o do setor de saneamento básico que, até hoje, não conseguiu ser objeto de um arcabouço institucional adequado à sua regulação. O que setores mais esclarecidos da inteligência e do empresariado do País constatam agora é que um Estado assistencialista e arcaico não oferece condições de sustentação para uma moderna economia de mercado. Isso porque os empecilhos e os obstáculos postos ante a iniciativa privada são tão inibidores que o "mercado" acaba se segmentando em nichos de oportunidades e, muitas vezes, de privilégios. O que acaba por subtrair as condições de fluidez, transparência e confiança que formam a base das economias de mercado. Assim, o crescimento continuado baseado na liberação das forças produtivas se torna uma miragem nunca alcançada. Apenas para insistir nos obstáculos que todos conhecem, vale a pena ressaltar os mais clamorosos: a) a lentidão dos processos judiciais e a insegurança gerada por um Judiciário estacionado no século 19; b) um Legislativo absolutamente desligado das necessidades da sociedade a quem diz representar; c) os conflitos crescentes e perigosos entre os Três Poderes; d) uma carga tributária elevada, pouco inteligente e não funcional, que desestimula a produção e só beneficia um Executivo esbanjador; e) uma política de juros que fundamenta a perpetuação de um Estado obsoleto, drenando recursos da produção para a especulação financeira; e f) a degradação ou insuficiência de boa parte das infra-estruturas econômicas e sociais. Por outro lado, o inchaço das funções assistencialistas, baseadas em burocracias tradicionais, inibe a possibilidade de se ter um Estado capaz de fomentar o desenvolvimento. Isso porque, sem núcleos modernos de excelência na gestão pública, se subtrai a capacidade de gerar estratégias, políticas públicas, planejamento e ações estruturadoras de longo prazo. Deve ser triste, portanto, para os defensores das posições extremadas constatar que nem o Estado nem o mercado podem tudo. Na verdade, podem muito pouco isoladamente diante da complexidade e magnitude dos problemas atuais, exacerbados por 25 anos de estagnação. Nos antigos armazéns e botequins havia sempre um quadrinho com dois burros amarrados um ao outro, representando a vantagem do esforço de cooperação. No início, cada um puxa a corda para o seu lado, sem alcançar o capim em cada balde. Somente depois de agir em conjunto é que conseguem comer alternadamente nos dois baldes. Longe de qualquer alusão depreciativa, a imagem dos dois burros é bastante oportuna para descrever a necessária cooperação entre Estado e mercado. A tarefa, afinal, é pôr o Estado brasileiro no século 21. |