editorial |
O Estado de S. Paulo |
30/5/2006 |
A reeleição do presidente colombiano Álvaro Uribe - que recebeu domingo consagradores 7,3 milhões de votos, ou 62% dos votos válidos - é uma boa notícia para os seus concidadãos e para todos quantos acreditam que a América Latina não está fadada a escolher entre o populismo de direita e o populismo de esquerda, um mais arcaico do que o outro. A vitória de Uribe contém uma singularidade - pela primeira vez na história da democracia no vizinho país o poder não muda de mãos a cada quatro anos. Mas não há por que considerar um retrocesso esse fato sem precedentes. O contrário é verdadeiro, dados os êxitos do primeiro mandato desse líder modernizador e combativo de apenas 53 anos. A questão por excelência na Colômbia, como se sabe, é a do confronto entre as instituições democráticas e o narcoterrorismo que chegou a controlar amplas porções do território, transformou Bogotá e Medellín em zonas de guerra, mergulhando-as numa rotina de violência extravagante até para os atuais padrões criminais no Rio e em São Paulo. Uribe se elegeu em 2002 prometendo dar combate sem quartel à guerrilha mancomunada com a indústria da droga. Reduziu dramaticamente o poder desse Estado-bandido, empurrou milhares de guerrilheiros das Farc para as regiões de fronteira e devolveu aos colombianos uma sensação de segurança como não se via há décadas. Além de afirmar a autoridade legítima do Estado nacional, em nenhum momento manifestou qualquer dúvida sobre quais são os verdadeiros interesses econômicos colombianos e o caminho mais eficaz para satisfazê-los. As suas políticas favoráveis ao mercado produziram taxas de crescimento da ordem de 5% ao ano, redução do desemprego de 20% para 13% e aumento dos investimentos externos. Naturalmente, o vizinho Hugo Chávez logo identificou nele o seu maior inimigo na região, por Uribe encarnar a bem-sucedida antítese ao antiamericanismo primário do ex-coronel golpista, o qual seria apenas mais um demagogo falastrão sem os petrodólares venezuelanos. Mesmo com eles, começam a tomar corpo os sinais de que Chávez não irá mais longe do que já conseguiu ir nas suas pretensões de se tornar o número uno regional. O espalhafato de que faz cercar as suas incursões internacionais pode dar a observadores desavisados de outras paragens a equivocada impressão de que é um líder que atrai um número cada vez maior de prosélitos. Mas é exatamente o contrário que está acontecendo. O chavismo, na realidade, caminha progressivamente para o isolamento. Para começar, os colombianos - cidadãos, por sinal, de um dos mais ilustrados países da América espanhola - repudiam a sua intromissão nos assuntos internos do país. No Peru, onde deve se eleger no próximo domingo o candidato Alan García, que governou (desastradamente) o país nos anos 1980, o antichavismo parece ser o mais forte trunfo eleitoral do ex-presidente, empenhado em marcar sua diferença do nacionalista fascistóide Ollanta Humala. Chávez o apoiou abertamente e chamou García de "ladrão", enquanto um de seus ministros se referiu ao presidente peruano Alejandro Toledo como "office-boy dos Estados Unidos". Foi esse apoio que "virou o jogo" a favor de García, representando um autêntico "beijo da morte" para Humala que iniciou a campanha para o 2º turno como favorito. O mesmo se dá no México. O candidato esquerdista à sucessão de Vicente Fox nas eleições de 2 de julho, Andrés Manuel López Obrador, não apenas quer distância de Chávez, como mostra-se indignado quando o comparam a ele. Os únicos presidentes da América Latina democrática que o têm por aliado são o boliviano Evo Morales, cujo país está se tornando satélite da Venezuela, e o argentino Néstor Kirchner, que deve em larga medida à compra de títulos argentinos por Chávez os bons indicadores financeiros destes seus três anos de governo. Felizmente, há sinais claros de que nosso Lula da Silva, apesar de todas as posições publicamente assumidas em favor do boliviano Evo Morales, já se convenceu que está na hora de esfriar suas relações com o peronista portenho e seu banqueiro de Caracas e aproximar-se de líderes sul-americanos de mente aberta, como a chilena Michelle Bachelet, o uruguaio Tabaré Vásquez e o reeleito presidente Uribe, cuja vitória foi bem recebida pelo governo de Brasília. |