terça-feira, maio 30, 2006

A demissão de Furukawa




editorial
O Estado de S. Paulo
30/5/2006

A demissão do secretário da Administração Penitenciária Nagashi Furukawa era esperada. Além do inevitável desgaste resultante de oito anos à frente de um dos mais problemáticos setores da administração estadual, cargo no qual enfrentou a primeira rebelião simultânea em dezenas de presídios ocorrida no País, ele colidiu frontalmente com o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, por ocasião dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), há duas semanas.

Embora responsáveis por secretarias cujas atividades são complementares, os dois divergiram sobre as diretrizes a serem adotadas na gestão de um sistema penitenciário congestionado, com 144 unidades prisionais de porte diferenciado, um déficit de mais de 32 mil vagas e uma população carcerária de 140 mil pessoas, das quais 100 mil vinculadas a uma única organização criminosa. Promotor de Justiça, Saulo se destacou por propor uma linha mais dura no enfrentamento do crime organizado. Juiz criminal, tendo passado anos aplicando a Lei de Execuções Penais, que combina medidas punitivo-repressivas com medidas socioeducativas, Furukawa defendeu uma política que desse prioridade à educação e à qualificação profissional dos presos, para que pudessem encontrar trabalho, após cumprir pena.

O que levou Furukawa a ser nomeado pelo então governador Mário Covas para a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) em 1999 foi a bem-sucedida experiência que fez em Bragança Paulista, uma cidade de médio porte em cujo presídio promoveu uma revolução administrativa, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos serviços, com apoio financeiro do comércio e da indústria. Além disso, tornou os presos co-responsáveis pela gestão daquela unidade e ainda ajudou a empregá-los, após o término da condenação.

O problema é que o presídio de Bragança Paulista jamais foi uma unidade representativa do sistema penitenciário estadual. Por isso, o modelo de gestão ali adotado não funcionou quando Furukawa tentou implantá-lo nos demais estabelecimentos penais. Mesmo assim, ele teve um bom desempenho nos governos Covas e Alckmin.

Uma de suas importantes iniciativas foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), no qual presos de alta periculosidade são mantidos isolados, sob rigoroso controle. Outra iniciativa oportuna foi a elaboração de um plano de expansão do sistema prisional, para reduzir o problema da superlotação. São Paulo foi uma das poucas unidades da Federação a investir em novas penitenciárias e centros de detenção, nos últimos anos. Ao todo, foram construídos 76 presídios, desde 2001.

Contudo, como o número de presos condenados pela Justiça continuou crescendo mais do que a capacidade do governo de multiplicar o número de vagas, o sistema prisional continuou em crise. Foi a superlotação, com presos misturados independentemente da gravidade de seus crimes, um dos fatores que provocaram o surgimento do PCC e as sucessivas ondas de sangrentas rebeliões. Além disso, o tamanho exagerado das penitenciárias de segurança máxima inviabilizou uma vigilância eficiente, o que acabou permitindo o uso de celulares em larga escala - o que contribuiu de forma decisiva para o aumento do poder e da ousadia do PCC.

Diante desse cenário de descontrole, Furukawa não tinha mais como permanecer no cargo, embora não tenha sido ele o único nem, certamente, o maior responsável pelas deficiências do sistema prisional. Sua substituição por um funcionário de carreira da própria SAP, que foi indicado em caráter interino, não deve mudar a triste realidade de nossas prisões. A curto prazo, pode ser que a linha dura liderada pela Secretaria da Segurança Pública consiga conter por algum tempo o PCC. Mas, para que o problema carcerário possa ser solucionado em caráter definitivo, fechando as portas para o surgimento de novos Marcolas e novos PCCs, são necessárias providências que transcendem as jurisdições das duas secretarias, como a urgente reforma dos Códigos Penal e de Processo Penal, a flexibilização da legislação criminal para os crimes não violentos e maior utilização das penas alternativas, pela Justiça, para liberar o cárcere para os criminosos de alta periculosidade.